Ainda que os pormenores relacionados aos
métodos de utilização de ARP (Aeronaves Remotamente Pilotadas) por tropas especiais seja um segredo muito bem resguardado
pelos Estados que lançam mão desse recurso, uma vez que sua divulgação poderia
comprometer a efetividade das operações que se utilizam desse vetor, é possível
identificar quatro categorias de OpEsp para as quais se aplica o suporte
fornecido por ARP: Ação Direta; Reconhecimento Especial; Contraterrorismo; Defesa
Interna Estrangeira.
Conhecida no Brasil pelo termo Ação de
Comandos, as operações de Ação Direta são planejadas para serem executadas de
surpresa, com intensidade e curta duração. Esta categoria de OpEsp é conduzida
por Elementos de Operações Especiais (ElmOpEsp) em ambientes hostis, negados ou
politicamente sensíveis, com a finalidade de tomar, retomar, destruir,
capturar, resgatar ou neutralizar alvos designados. As Ações Diretas diferem
das Ações Convencionais por serem conduzidas em ambiente de alto risco, bem
como por possuírem técnicas específicas de realização e precisão no uso da
força a fim de evitar danos colaterais.
As operações de Reconhecimento Especial envolvem
as ações de reconhecimento e vigilância realizadas em ambientes hostis, negados
ou politicamente sensíveis, com o objetivo de recolher um conjunto de informações
de relevância estratégica ou operacional relacionadas à capacidade de combate
de um inimigo real ou potencial, além de particularidades inerentes ao ambiente
(terreno e clima).
Ações de Contraterrorismo são constituídas
por um conjunto de medidas tomadas diretamente contra as redes terroristas,
incluindo seus indivíduos, recursos e estrutura de apoio e para prevenir sua
reaparição. Indiretamente, as medidas são realizadas para influenciar e tornar
os ambientes inóspitos à presença de redes terroristas.
Entende-se por Defesa Interna Estrangeira como
sendo a série de ações de apoio e sustentação da defesa interna de um Estado
amigo, com o objetivo de protegê-lo contra subversão, ilegalidade, insurgência,
terrorismo e outras ameaças a sua segurança, estabilidade e legitimidade. As
FOpEsp participam dessas ações, geralmente, conduzindo operações de não guerra
(sem estarem engajadas, diretamente, em combate) provendo assessoramento,
treinamento e apoio aos Estados amigos (pode incluir apoio de OpEsp às ações de
combate).
A expertise norte-americana mostra que a
decisão do USSOCOM (US Special Operations Command, ou Comando de Operações
Especiais dos EUA) por empregar ARP operando em suporte às OpEsp ocorreu como
uma alternativa para compensar deficiências vivenciadas por tropas especiais no
que concerne à C3I (Comando; Controle; Comunicação; Inteligência): capacidade
limitada de SATCOM (Satellite Communications, ou Comunicações por Satélite);
acessibilidade e cobertura limitada das redes de banda larga; ausência de
interfaces em tempo real que permita o acesso a informações coletadas por recursos
de Inteligência (HUMINT [Human Intelligence, ou Inteligência Humana], SIGINT
[Signal Intelligence, ou Inteligência de Sinais] e IMINT [Imagery Intelligence,
Inteligência de Imagens]); falta de imagens em tempo real ou quase real que
permita o estudo do terreno e das ações a serem executadas na AO; carência de
arquivo de dados para planejamento de operações futuras.
Figura 1: Tabela de Classificação das ARPs (Aeronaves Remotamente Pilotadas) empregadas em suporte às unidades/operações militares. |
Para que as informações ISR (Intelligence, Surveillance, Target Acquisition and Reconnaissance, ou Inteligência, Vigilância, Aquisição de Alvos e Reconhecimento) coletadas por ARP
possam contribuir com a FOpEsp engajada em dada operação, ambos devem operar no
contexto da Network Centric Warfare (Guerra Centrada em Rede), segundo o qual a
guerra aplicada no âmbito da denominada “Era da Informação” busca abranger os
níveis estratégico, tático e operacional, sincronizando sensores e sistemas de
forma colaborativa. Nesse sentido, a fim de fornecer uma consciência situacional
que permite estabelecer Comando e Controle operacional, é imperativo que o
FOpEsp inserido na AO tenha à sua disposição uma rede de enlace de dados eficaz.
Para que as ARP possam operar em apoio às
OpEsp é fundamental que a tecnologia embarcada na aeronave possa ser
configurada para atender aos requisitos da unidade de elite executando RSTA (Reconaissance, Surveillance; Target Acquisition,
ou Reconhecimento, Vigilância; Aquisição de Alvos) com discrição e sem
denunciar a presença do DFOpEsp.
Embora sejam classificadas, normalmente, por
ocasião de sua performance relacionada a altitude e autonomia de voo, as ARP proveem suporte às unidades terrestres valendo-se de um
modelo de categorização (tendo como referência unidades militares
convencionais) que comporta quatro classes distintas de aeronaves:
As ARP da Classe I executam RSTA provendo
suporte em nível de pelotão. No filme “Act of Valor” (Ato de Coragem),
produzido em 2012, Hollywood explorou o emprego de uma ARP Classe I, tipo RQ-11
Raven (manufaturada pela AeroVironment) provendo apoio a um destacamento SEAL
engajado em uma operação de resgate de refém realizada em ambiente ribeirinho. As
aeronaves dessa classe são particularmente recomendadas para equipar DFOpEsp
devido a sua capacidade de prover apoio direto às unidades de pequeno porte,
uma vez que dispõe de flexibilidade operacional (voa de forma autônoma ou
remotamente controlada por uma estação de terra operada por membros do próprio
destacamento) para fornecer imagens aéreas em tempo real que servem para
nortear as ações dos ElmOpEsp que operam no solo. Por contribuir para manter a
furtividade das operações, aeronaves dessa categoria oferecem vantagens
adicionais para as tropas especiais por serem difíceis de identificar quando em
sobrevoo devido ao seu tamanho reduzido e pequena dispersão sonora (os motores
elétricos que as impulsionam produzem ruído muito baixo). Além do RQ-11 Raven,
são exemplos dessa classe de ARP: RQ-12 Wasp, RQ-20 Puma e Switchblade (todas
da AeroViroment); Desert Hawk (Lockheed Martin); Aladin (EMT); Skylark 1 (Elbit
Systems); Stalker (Lockheed Martin); Scout (Aeryon Labs).
Aeronaves da Classe II realizam RSTA e designação/iluminação
de alvos oferecendo apoio em nível de pelotão e companhia. Lançada a partir de
uma catapulta inserida no USS Bainbridge, contratorpedeiro de bandeira
norte-americana, uma ARP Classe II modelo ScanEagle (fabricado pela Insitu,
subsidiária da Boeing), forneceu imagens que contribuíram para a operação de
resgate de Richard Phillips, capitão do navio porta-contêineres Maersk Alabama,
que em abril de 2009 foi mantido como refém em uma balsa de salvamento na costa
oriental africana por piratas somalis, posteriormente alvejados por snipers do
DEVGRU (Naval Special Warfare Development Group, ou Grupo de Desenvolvimento de
Guerra Especial Naval) da Marinha dos EUA. Juntamente com o ScanEagle,
destacam-se como modelos de referência dessa classe: RQ-2 Pioneer.; RQ-7 Shadow
(ambos fabricados pela Aircraft Armaments, Inc [AAI Corporation]); Luna (EMT).
Plataformas da Classe III efetuam RSTA, designação/iluminação de alvos, detecção de minas e retransmissão de comunicações fornecendo auxílio em nível de batalhão. As campanhas militares levadas a efeito após a deflagração da GWOT (Global War on Terrorism, ou Guerra Global contra o Terrorismo), promovida pelo governo dos EUA por ocasião dos atentados contra o território estadunidense em 11 de setembro de 2001, promoveram as ações das ARP da Classe III, modelo MQ-1 Predator (produzido pela General Atomics), que operava de modo a fornecer informações relevantes para a CIA (Central Intelligence Agency, ou Agência Central de Inteligência) e FOpEsp que conduziram uma diversidade de missões contra organizações terroristas no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Somália e Iêmen. Ações típicas das FOpEsp na GWOT eram executadas predominantemente à noite para assegurar o trinômio: sigilo; surpresa; eficácia. Para tanto, os DFOpEsp desdobrados recebiam auxílio de ARP que sobrevoavam a AO apontando alvos com designador infravermelho (cuja luminosidade era captada apenas pelas lentes dos OVN [Óculos de Visão Noturna] acoplados aos capacetes táticos) e coletando dados que serviam de subsídio para que o piloto da aeronave, situado a vários quilômetros de distância do local onde a operação era realizada, pudesse orientar os procedimentos de patrulha conduzidos em terra pelos ElmOpEsp. Somados ao MQ-1 Predator, constituem essa classe de aeronaves: MQ-9 Reaper (General Atomics); Heron (Israel Aerospace Industries [IAI]); Harfang (European Aeronautic Defense and Space [EADS]).
Por sua vez, as ARP da Classe IV (A e B)
desempenham basicamente as mesmas capacidades da Classe III, podendo
interligar-se com outros dispositivos não tripulados em auxílio a uma
Força-Tarefa. Devido à abrangência de seu assessoramento, prestando auxílio a grandes
contingentes no Teatro de Operações (TO), as aeronaves dessa classe não
fornecem suporte direto às OpEsp. A ARP de maior destaque nessa categoria é o
RQ-4 Global Hawk (Northrop Grumman).
Embora as FOpEsp brasileiras ainda não operem
valendo-se dos recursos ofertados pelas ARP, tanto a indústria quanto os
centros de tecnologia nacionais dispõem de meios (sobretudo da Classe I) com
capacidade para atender às demandas de nossas tropas especiais. O Horus-FT 100
(produzido pela Flighttech) é uma ARP de lançamento manual desenvolvida para
executar aplicações de curto alcance. Por sua vez, o SARP Cat 0 (Sistema de
Aeronave Remotamente Pilotada Categoria 0) é uma aeronave VTOL (Vertical
Takeoff & Landing, ou Decolagem e Aterrissagem Vertical) concebida em
caráter experimental pelo CTEx (Centro Tecnológico do Exército). No seguimento
das ARP classe II destaca-se o Falcão (desenvolvido pela Avibras), aeronave CTOL
(Conventional Takeoff & Landing, ou Decolagem e Aterrissagem Convencional) caracterizada
por sua capacidade multimissão.
Vídeo 1: Cena do filme "Ato de Coragem" (Act of Valor, 2012) retratando o suporte de uma ARP Classe I, modelo RQ-11 Raven, provendo apoio à um Destacamento SEAL engajado em uma operação de resgate de refém.