Texto elaborado por Francisco
Paulo Costa da Silva*.
A partir da eclosão da guerra do Iraque em
2003, as Companhias Militares Privadas (Private
Military Companies [PMC]) alcançaram um nível de protagonismo nunca visto
antes em conflitos modernos. Após contratos assinados entre o governo americano
e seus altos executivos, essas empresas executaram tarefas dignas de forças
armadas. Escolta de comboios e segurança em embaixadas foram as missões mais
visíveis, dada a exposição que tiveram na grande imprensa, fruto de episódios
controversos que essas empresas protagonizaram naquele momento. Entretanto,
houve o serviço de escolta e apoio aéreo aproximado levado a cabo pela Blackwater Aviation Unit, unidade de
aviação operacional da antiga Blackwater,
que, apesar de ser um serviço bem menos visível, impactou fortemente na
execução de ações de segurança privada naquele teatro de operações.
Em 2011, a empresa foi vendida para um grupo
de investidores privados que mudou seu nome para Academi. Com isso, a Blackwater
Aviation tornou-se EP Aviation,
associando-se ao grupo Constellis Holding
que junto a Triple Canopy tornaram-se
os maiores conglomerados de segurança privada, amealhando os principais
contratos de segurança dentro do Departamento de Estado e de Defesa dos EUA.
A divisão aérea da Blackwater foi criada para prover apoio aéreo às operações
conduzidas no Iraque e em outros cenários, onde o esforço de guerra ao terror
era necessário. A frota era dividida em esquadrão de asas fixas e de asas
rotativas, com o objetivo de proporcionar transporte de pessoal e apoio de
fogo, respectivamente. Nos últimos anos, a empresa comprou um avião Super Tucano
para as operações de contra insurgências no Afeganistão e aeronaves de
transporte para apoio logístico nos diversos teatros de operações,
especialmente nas ações no Oriente Médio e África.
A maioria dos pilotos e operadores
contratados pela antiga Blackwater era
oriunda de equipes especiais das forças armadas e das polícias dos EUA.
Geralmente, eram ex-militares com experiência em pilotagem de combate ou mesmo
policiais que tenham pertencido a alguma unidade aérea de natureza policial. No
caso dos Operadores Aerotáticos (atiradores de porta), dava-se preferência a ex-integrantes
de unidades de operações especiais que, de certo modo, tivessem experiência com
helicópteros. Membros do 160° Regimento
de Aviação de Operações Especiais do Exército norte-americano (160th Special Operation Aviation Regiment [160th SOAR]), e Pararescue Jumper (PJ),
os famosos paraquedistas de resgate da Força Aérea dos EUA (US Air Force [USAF]), eram os mais cotados para
preenchimento de vagas na empresa. Contudo, Rangers e Special Forces (Boinas
Verdes) do Exército e os SEALs da Marinha eram bem aceitos também.
O armamento utilizado nos helicópteros,
basicamente, eram fuzis calibre 5.56 mm e a famosa metralhadora leve M 249
MINIMI, no mesmo calibre. Cada operador portava uma M 249 em ambas as portas da
aeronave. Os pilotos também portavam um fuzil como backup.
A equipe básica embarcada consistia em dois pilotos e
dois operadores para cada helicóptero.
Em 2003, os helicópteros foram utilizados
para promover segurança em larga escala a comboios em que estava o
administrador especial do Iraque, Paul Bremer, ou a outros membros do corpo
diplomático cobertos pelos contratos. Basicamente, a operação consistia em dois
veículos blindados Hunvees tomando a segurança à frente e dois à retaguarda. A
autoridade se posicionava no veículo blindado ao centro. A missão dos dois
helicópteros era de prever quaisquer contingências no percurso, escolher uma
rota alternativa ou, caso o comboio fosse atacado, extrair a autoridade para um
outro lugar.
Segundo procedimentos-padrões da empresa, os
disparos de arma de fogo eram realizados somente de forma defensiva para rechaçar ameaças armadas e proporcionar uma
estração segura ao VIP (Very Important Person). Essa concepção de missão é semelhante à usada
pela Coordenação de Aviação Operacional (CAOP), unidade aérea da Polícia
Federal (DF) do Brasil em operações de escolta de comboios.
A seguir são elencadas duas das principais missões
executadas pelos operadores da Blackwater
Aviation:
Resgate
do embaixador da Polônia: No dia 3 de outubro de 2007, em Bagdá, o
comboio do embaixador da Polônia no Iraque foi atacado com explosões de
artefatos explosivos improvisados e disparos de fuzis, o que resultou na morte
de um segurança, deixou nove feridos, bem como deixou 40% do corpo do
embaixador queimado. Embora a Blackwater não fosse a responsável pela segurança
do comboio, eles foram acionados e realizaram um ousado resgate em meio ao
perigo de serem alvejados por foguetes e por fogos de armas leves.
Fotografia 2: Contratistas da Blakwater engajados na operação de resgate do embaixador polonês. (Fonte: Disponível em: http://blackwaterbirds.blogspot.com.br Acesso em: 20 set. 2017). |
Operação
de ressuprimento e combate nos céus de Najaf, Iraque: No
dia 04 de abril e 2004, a cidade de Najaf, um centro de peregrinação Xiita, foi afetada por uma grande revolta contra a
ocupação americana no Iraque, conduzida pelo
clérigo Muqtada Al Sadr, religioso muito
influente na cidade. Uma das principais missões da Blackwater era de promover a segurança predial da sede regional da
autoridade iraquiana, alvo da revolta dos militantes Xiitas. Passadas várias
horas de combate, os contratistas e militares ficaram sem munição, precisando
urgentemente de ressuprimento e de evacuação aeromédica de um Fuzileiro Naval (Marine) norte-americano. Após contato
com o centro de comando e controle foi autorizado o voo de três helicópteros
para levar munição e efetivos para o telhado do escritório da ocupação. Pela
primeira vez, militares e contratista combateram lado a lado contra um inimigo
comum.
Em 23 de janeiro de 2007, uma equipe da Blackwater que estava escoltando autoridades
americanas até a Zona Verde em Bagdá foi atacada por militantes islâmicos com fogos
de várias armas semiautomáticas. Após pedido de ajuda ao centro de comando e
controle da empresa, foram enviados dois helicópteros para apoiar a equipe
terrestre. Ao chegar no local do ataque, um dos helicópteros envolveu-se em um
intenso tiroteio, vindo a fazer um pouso forçado, enquanto um dos atiradores do
segundo helicóptero foi atingido mortalmente com tiro de armas leves. De acordo
com militares que chegaram ao lugar da queda do primeiro helicóptero, foi
observado que todos os contratistas estavam com marcas de tiros pelo corpo, não
sabendo se foram atingidos ainda no ar ou após a caída da aeronave.
Por um lado, o desempenho da Blackwater Aviation no Iraque foi
deveras positivo em vista de seu objetivo, que era prover segurança a membros
do Departamento de Estado dos EUA. Mostrou também que bons equipamentos
alinhados ao emprego de ex-membros de forças especiais se constituiu uma fórmula
de sucesso, a qual proporcionou coesão e espírito de corpo a essas empresas, a
despeito de suas características privada e comercial. Analisando-se alguns
aspectos doutrinários, houve um grande avanço acerca do emprego de pequenas
frações helitransportadas em ambientes conflagrados, colocando em evidência um
dos conceitos que mais cresce no ambiente das Operações Especiais (OpEsp), que
é a capacidade de unidades aéreas conduzirem OpEsp, apesar de sua
característica de apoio.
A partir de outro ponto de vista, a participação
da Blackwater no esforço de Guerra no
Iraque foi, em grande medida, bastante controversa. Houve várias denúncias de
violações de direitos humanos cometida por seus empregados, tendo como consequência
o julgamento de alguns contratistas pelo episódio da praça Nisour, ocorrido em
16 de setembro de 2007 em Bagdá, ocasião em que 17 civis iraquianos foram
mortos por guardas da Blackwater que
estavam escoltando um comboio diplomático. Entretanto, não devemos esquecer que
o serviço militar privado será cada vez mais demandado para realizar tarefas
que exércitos formais não gostariam de fazer, ou mesmo para preencher lacunas
no campo de batalha. Afinal, uma das grandes características das guerras de 4ª
geração é a atuação de agentes não estatais no conflito. Sabe-se bem que isso
já é uma tendência que mostra a evolução do combate nos tempos modernos, em que
o poder militar e agentes privados civis estarão cada vez mais juntos
utilizando-se da expertise, táticas e técnicas de ex-membros de forças
especiais como forma de conter ameaças assimétricas e consequentemente lograr
êxito em seus objetivos estratégicos.
* Francisco Paulo
Costa da Silva é policial federal desde 2004, ano em que concluiu o curso de
papiloscopista na Academia Nacional de Polícia. Atualmente exerce a função de
líder da equipe de operadores aerotáticos (atiradores da porta do helicóptero)
da CAOP (Coordenação de Aviação Operacional) da Polícia Federal (PF). É
graduado em História pela Universidade de Pernambuco e cursa pós-graduação em
Relações Internacionais pela Damásio Educacional. Na PF participou do curso de
operações aerotáticas, bem como do curso de atirador designado aerotático.
Frequentou o Curso de Comandos Jungla (Polícia Nacional da Colômbia) além do
curso de operações antidrogas pela School of the Americas (Escola
das Américas) atual WHINSEC (Western Hemisphere Institute for Security Cooperation,
ou Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação em Segurança). Cursou o
Estágio de Operação e Sobrevivência em Área de Caatinga (72º BIMtz [72º
Batalhão de Infantaria Motorizado do Exército Brasileiro) e o Estágio de
Atirador de Precisão (BOPE [Batalhão de Operações Policiais Especiais da
PM-RJ).
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