terça-feira, 13 de março de 2018

Intervenção Federal no Rio de Janeiro: A Necessidade de Adequar as Regras de Engajamento ao Cenário de Enfrentamento

Texto elaborado por Rodney Alfredo P. Lisboa

Fotografia 1: Operadores das Forças de Operações Especiais (FopEsp) do Exército Brasileiro participam de uma simulação contraterrorista em uma estação de trem no Rio de Janeiro durante a preparação para o esquema de segurança dos Jogos Olímpicos realizados na capital fluminense. (Fonte: Disponível em: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2016/07/19/franca-nega-que-brasileiro-tenha-planejado-atacar-franceses-durante-a-rio-2016.htm Acesso em: 12 mar. 2018).


A Intervenção Federal no estado do Rio de Janeiro, instituída em 16 de fevereiro de 2018 por iniciativa do Presidente da República e aprovada pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, tem a finalidade de coibir a escalada de violência perpetrada pelo crime organizado de modo a promover a segurança na capital fluminense, região metropolitana e interior do estado. Nesse contexto, como medida emergencial, as Forças Armadas (FFAA) podem ser empregadas no intuito de por termo à crescente sensação de insegurança que leva ao comprometimento da ordem pública. Em apenas um ano (de janeiro de 2017 a janeiro de 2018) o número de tiroteios na região metropolitana do Rio aumentou em 117%, enquanto a quantidade de mortes violentas no estado aumentaram 44% em apenas cinco anos, chegando a computar inacreditáveis 6.731 óbitos. 
Assim como ocorre em outras regiões do país, o Rio de Janeiro experimenta o fenômeno conhecido como Black Spots (Buracos-Negros), expressão idealizada por Bartosz Hieronim Stanislawski, Cientista Político e Diretor Assistente do Moynihan Institute of Global Affairs (instituição vinculada à Universidade de Syracuse, nos EUA), para designar as áreas localizadas em um Estado sobre as quais a administração governamental falha negligenciando ou mesmo deixando de exercer formas básicas de gestão pública. Normalmente essas áreas são localizadas em regiões periféricas, e como consequência da “ausência” do Estado atores não estatais (crime organizado, como é o caso do Rio) passam a impor normas sociais paralelas valendo-se da violência na tentativa de expandir sua influência e obter lucro com suas atividades ilícitas.
É fundamentalmente importante esclarecer que a recorrente incapacidade demonstrada pelo governo fluminense ao lidar com os problemas relacionados à Segurança Pública possibilitou uma ousadia crescente por parte das diferentes facções do crime organizado que atuam no Rio, gerando uma crise institucional sem precedentes para as autoridades do estado. 
Torquato Jardim, atual Ministro da Justiça, salientou em entrevista concedida ao jornal Correio Brasiliense (publicada na edição do dia 20/03/2018) que o Brasil está em guerra contra inimigos internos. Ainda que o governo brasileiro evite empregar esse termo para caracterizar a atual situação vivenciada pelo Rio de Janeiro, o tipo de enfrentamento que as facções criminosas fluminenses impõe às autoridades não é o modelo tradicional de guerra (travada por atores estatais que se antagonizam). Na prática o tipo de conflito em questão refere-se à modalidade de “Guerra Irregular”, caracterizada por qualquer conflito protagonizado por um ator armado não estatal. No livro “Guerra Irregular: terrorismo, guerrilha, e movimentos de resistência ao longo da história”, o Coronel Alessandro Visacro, atual Chefe da Seção de Doutrina do COpEsp (Comando de Operações Especiais) do Exército Brasileiro, destaca: 

A guerra irregular, com grande frequência, se desenvolve sem que seja declarada, reconhecida ou sequer percebida. Por vezes, é oculta. Mas é invariavelmente incompreendida pelo Estado (incluindo parcela considerável de suas forças armadas) e por diferentes segmentos da sociedade civil.

Entrevistado nos programas GloboNews Painel (exibido em 17/02/2018) e Canal Livre (exibido em 05/03/2018), o General-de-Exército da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira tem defendido a condução de ações pontuais e precisas valendo-se da expertise adquirida pelas Forças de Operações Especiais brasileiras (vocacionadas para a condução da Guerra Irregular) no intuito de impor sucessivos óbices ao ímpeto do crime organizado, bem como evitar ou reduzir ao máximo os denominados “efeitos/danos colaterais” (situações adversas acidentais ou involuntárias causadas a pessoas e/ou objetos que não se enquadram como alvos lícitos). O General Heleno alerta, entretanto, para a necessidade de haver Regras de Engajamento e Instrumentos Legais que amparem o necessário uso da força durante as ações militares a serem realizadas por ocasião da Intervenção Federal no Rio de Janeiro.

Fotografia 2: Quadros operacionais do DOPaz (Destacamento de Operações de Paz) do Exército Brasileiro executam procedimento de varredura nas vielas de uma das comunidades de Porto Príncipe, capital do Haiti. Por ocasião da MINUSTAH, as Regras de Engajamento adotadas pelas tropas à serviço da ONU eram norteadas pelo Capítulo 7 da Carta das Nações Unidas. (Fonte: Disponível em: http://www.planobrazil.com/onu-quer-levar-ao-congo-experiencia-brasileira-no-haiti/ Acesso em: 12 mar. 2018). 

Especificamente no que se refere às Regras de Engajamento, é pertinente enfatizar que elas consideram as diretrizes que definem as circunstâncias e limitações relacionadas aos níveis do uso da força por contingentes militares em uma determinado engajamento. Conforme o contexto operacional, tais regras podem ser bastante flexíveis, partindo da emissão de uma ordem verbal até o emprego de força letal. 
No contexto da Segurança Pública, o nível do uso da força por unidades policiais é norteado pela Lei n° 13.060 de 22 de dezembro de 2014, bem como pela Portaria Interministerial n° 4226 de 31 de dezembro de 2010. Ambos instrumentos consideram que o agente policial deve valer-se do emprego gradativo da força, invariavelmente iniciando sua abordagem com a menor força possível (ordem verbal) na tentativa de solucionar o problema. Na eventualidade do problema persistir, o uso escalonado deve prosseguir utilizando força física sem disparo de arma de fogo, sendo esta acionada somente como último recurso disponível.
Preparadas para as condições de enfrentamento características do conflito armado travado em situação de guerra, as Forças Singulares brasileiras se deparam com um problema por ocasião da Intervenção Federal no Rio de Janeiro. Por não se aplicarem as normas da guerra ao cenário de enfrentamento fluminense, uma vez que o Brasil e o Rio não se encontram formalmente em guerra, as FFAA submetem-se ao mesmo conjunto de normas que regulamentam o uso da força pelos agentes de Segurança Pública. Diferente do que ocorreu nas várias situações nas quais as FFAA foram empregadas no território nacional em operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), executando um trabalho preventivo e dissuasório de caráter policial, a Intervenção Federal requer por parte das Forças de Segurança uma postura mais “enérgica” que imponha sucessivos golpes ao crime organizado, penalizando-o de um modo tal que suas iniciativas sejam refreadas.  
É necessário que a sociedade brasileira compreenda o status de excepcionalidade da Intervenção Federal, ampliando sua percepção para a necessidade de adotar medidas igualmente atípicas. Nesse sentido, é imperativo que as FFAA tenham “Poder de Polícia” com Regras de Engajamento adequadas à demanda operacional, sendo imprescindível que o sistema judiciário avalize um conjunto de medidas para resguardar/proteger as FFAA no desempenho das funções operativas realizadas no âmbito da intervenção. Tanto as tropas regulares quanto as FOpEsp das FFAA têm capacidade e competência para atender às tarefas operacionais que lhe forem imputadas em razão da ação federal no Rio de Janeiro, mas é crucial que o Estado brasileiro crie condições favoráveis e a sociedade contribua para que os objetivos da intervenção sejam alcançados. 




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