Adaptação
de artigo publicado por Rodney Alfredo P. Lisboa na Revista Brasileira de
Estudos Estratégicos, v. 8, n. 15, jan./jun. 2016, p. 33-56.
Na manhã quente e abafada de uma
quarta-feira, dia oito de abril de 2009, o navio porta-contêineres MV Maersk
Alabama navegava as águas tranquilas do Golfo de Áden, no Oceano Índico.
Construída na China em 1999, a embarcação de bandeira norte-americana flutuava
suas 14.120 toneladas (acrescida das 17 mil toneladas de carga) a cerca de 300
milhas (482km) da costa da Somália pela rota marítima conhecida como EAF4 (rota
marítima que partindo de Salalah [Omã] passava por Djibuti [República do
Djibuti] chegando até Mombaça [Quênia]).
Empilhada junto a uma infinidade de bens de
consumo acondicionados em 1.092 contêineres de seis metros de comprimento,
parte da carga transportada pelo navio era composta por suprimentos do Programa
Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU), destinados a
combater a fome em países como Ruanda, Uganda e Congo.
Por volta das 07:00hs um dos 23 tripulantes
do navio mercante observou a rápida aproximação de um pequeno barco, distante
3,1 milhas (4,9km) da popa do porta-contêineres a uma velocidade de 20 nós
(37km/h). Imediatamente ele informou a ocorrência ao Capitão Richard Phillips,
que ordenou à tripulação lançar mão de um conjunto de medidas defensivas
antipirataria: a embarcação começou a executar manobras em ziguezague; as
mangueiras que circundavam os 155 metros do casco foram abertas (despejando
ininterruptamente jatos d`água com 100 libras de pressão por polegada
quadrada); as grades que davam acesso ao passadiço e a casa de máquinas foram
baixadas e trancadas; o Sistema de Alerta de Segurança do Navio (Ship Security
Alert System [SSAS]), que operava via satélite, foi acionado para alertar os
Centros de Coordenação de Salvamento sobre a situação de emergência; foi
estabelecido contato com o Controle de Operações de Comércio Marítimo do Reino
Unido (United Kingdom Maritime Trade Operations [UKMTO]) para reportar a
iminência da abordagem de elementos adversos.
A velocidade máxima de 18 nós (33km/h) não
foi suficiente para que o navio cargueiro se desvencilhasse do cerco imposto
pelos piratas somalis. Em poucos minutos a pequena embarcação posicionou-se a
contrabordo do Maersk Alabama enquanto os invasores ascendiam pelos seis metros
do costado esquerdo valendo-se de uma rústica escada improvisada. Passados mais
alguns minutos, dois dos quatro piratas, portando armas automáticas (fuzis
AK-47), forçaram a entrada no passadiço alardeando sua intenção de tomar a
embarcação e seus tripulantes como reféns. Considerando a série de eventos
ocorridos entre o instante em que o barco pirata foi visualmente identificado,
com o momento em que a tripulação foi subjugada, o intervalo de tempo que durou
toda a ação não durou mais que 35 minutos.
Por volta das 19:00hs, após um dia
estressante de muito calor e tensão, temendo uma ação militar por parte dos EUA
e vendo frustrada sua iniciativa de controlar o navio para conduzi-lo até a
Somália, uma vez que o controle da embarcação havia sido transferido para a
praça de máquinas durante a confusão estabelecida no momento em que ocorria a
abordagem, os piratas decidiram abandonar o navio levando trinta mil dólares
que permaneciam guardados no cofre para serem usados em caso de necessidade.
Intencionados a exigir uma vultuosa soma em dinheiro como forma de resgate, os
somalis tomaram o Capitão Phillips como refém, lançando-se ao mar em um dos
botes de resgate embarcados no Maersk Alabama.
A incapacidade do governo somali de combater
a atividade pirada em suas águas jurisdicionais, levou o Conselho de Segurança
da ONU, através da resolução 1.816 de 2008, a liberar as águas sob soberania
somali para intervenção de Estados que, cooperando com o governo de transição
da Somália, tencionassem reprimir a pirataria na região. Em janeiro de 2009,
mediante autoridade estadunidense e em estreita relação com a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN), a Força Tarefa Combinada 151 (Combined Task
Force 151 [CTF-151]) foi constituída para combater a pirataria na costa da
Somália e no Golfo de Áden.
Afastado cerca de 30 milhas (48km) da costa
da Somália, o bote de resgate passou a navegar em direção ao litoral assim que
se afastou do Maersk Alabama. Após o lançamento do bote de resgate, tendo
embarcado um destacamento de 18 fuzileiros navais (Marines), o Maersk Alabama
deixou a área em direção a Mombasa.
Amedrontado no interior do pequeno barco
confeccionado de fibra de vidro, medindo 9,28m de comprimento por 3,63 de
altura, o capitão Phillips, submetido ao calor sufocante da África Oriental,
era constantemente hostilizado pelos quatro piratas somalis. Por volta das
02:00hs do dia nove de abril, o bote de resgate foi iluminado pelos holofotes
do Contratorpedeiro USS Bainbridge (DDG-96), um dos navios componentes da
CTF-151. Outros dois navios de guerra norte-americanos situados no Golfo de
Áden, a Fragata USS Halyburton (FFG-40) e o Navio de Assalto Anfíbio USS Boxer
(LHD-4), foram mobilizados para oferecer apoio à operação de resgate. Após
estabelecer contato pelo rádio, o capitão Frank Castellano, comandante do
Bainbrigde, iniciou as tratativas de negociação valendo-se de um interprete
somali. Castellano foi informado das condições do refém, do valor exigido como
resgate (dois milhões de dólares), além de obter permissão para enviar
mantimentos para o bote de resgate.
Em Washington, o presidente Barack Obama,
aconselhado por seu staff, autorizou uma operação militar em pequena escala
após avaliar a situação de crise. Na sexta-feira, um destacamento do Grupo de
Desenvolvimento de Guerra Especial Naval (Naval Special Warfare Development
Group [DEVGRU]), também conhecido como Equipe Seis do SEAL (SEAL Team Six), foi
desdobrado de sua base, localizada no estado norte-americano da Virginia para,
a costa da Somália. Viajando no compartimento de carga de uma aeronave Boeing
C-17, os quadros operacionais do DEVGRU executaram uma infiltração aérea,
saltando de paraquedas além da linha do horizonte para não serem observados
pelos sequestradores. Pousando na água, eles rapidamente subiram a bordo de
duas Lanchas Pneumáticas de Assalto (Rigid Hull Inflatable Boat [RHIB]), também
lançadas do C-17, de onde partiram ao encontro do USS Boxer.
Na tentativa de se aproximar da costa somali,
os piratas evitaram desembarcar em praias que não estivessem sob o controle do
clã ao qual pertenciam, esse esforço adicional esgotou o combustível do bote de
resgate deixando-o à deriva. A partir de então, atendendo a uma sugestão do
comandante Castellano, os sequestradores concordaram que o bote fosse rebocado
pelo Bainbridge. Eles concordaram também que um de seus companheiros fosse
levado a bordo do contratorpedeiro para receber cuidados médicos.
No sábado, uma parcela dos SEALs alocados no
Boxer (uma equipe de assalto, algumas equipes de atiradores de elite [sniper e
observador], além de um componente de comando) foi transferida para o
Bainbridge. Assim que desembarcaram no contratorpedeiro, os SEALs assumiram o
comando tático da operação. Coube aos snipers a tarefa de revezarem-se em
turnos de vigilância no balanço de popa do contratorpedeiro, informando o
componente de comando sobre os eventos que ocorriam no bote de salvamento
enquanto aguardavam uma eventual ordem de execução de tiro. O grupo que permaneceu
no Boxer deveria manter-se em prontidão, preparando-se para uma ação de resgate
caso os sequestradores conseguissem desembarcar em território somali.
Devido ao eficiente trabalho interagências,
informações relacionadas ao clã de origem e identidade dos sequestradores foram
disponibilizadas para os responsáveis pela negociação. Até o levantamento feito
pela Agência Central de Inteligência (Central Inteligence Agency [CIA]) na
Somália, os dados relacionados aos piratas eram completamente desconhecidos.
No interior do bote, a tensão aumentava
devido ao estresse provocado pelo calor, pelo longo tempo de confinamento, bem
como pelo conjunto de medidas psicológicas adotadas pela Marinha com o
propósito de minar o ímpeto e a resistência dos sequestradores. À noite,
enquanto o bote de resgate era rebocado pelo Bainbridge, o cabo que ligava
ambas embarcações era lenta e gradativamente recolhido, a fim de estabelecer
uma distância entre as embarcações que favorecesse a ação dos snipers.
Na manhã de domingo, estando o capitão
Phillips em situação de perigo iminente, com o bote de resgate a uma distância
de 33m da popa do contratorpedeiro, os snipers reportaram condições favoráveis
de disparo para o comando da operação. Precisamente às 7:19hs, com o trio de
alvos em condição de “luz verde” (condição na qual um alvo encontra-se
devidamente enquadrado no retículo de mira do dispositivo ótico de uma arma de
precisão, indicando uma situação favorável para que o disparo seja realizado),
foram realizados três disparos coordenados (sincronizados) e precisos. Dois dos
piratas foram alvejados quando postaram-se junto à popa, do lado de fora do
bote de salvamento, enquanto o terceiro recebeu o tiro fatal no momento em que
fez aparecer sua cabeça em uma das diminutas janelas de observação distribuídas
na parte superior da embarcação. Após cerca de 85 horas mantido em cativeiro
sob condições extremas, Richard Phillips estava livre dos sequestradores que o
ameaçaram.
Sobre o tiro de precisão executado no mar é imperioso esclarecer que o denominado “tiro de comprometimento” (efetuado de forma letal) nem sempre é um objetivo alcançável devido à complexidade que envolve o tiro de precisão nesse tipo de ambiente. Nesse sentido, a realização de mais de um disparo para acertar o alvo pode ser necessária, motivo pelo qual armas semiautomáticas são desejáveis, uma vez que os armamentos de repetição (cuja ação manual para alimentar a câmara ejetando o estojo vazio utilizado caracteriza os fuzis de precisão) seriam lentas para ações dessa ordem (mas jamais dispensáveis).
Especificamente no caso da ação conduzida
pelo DEVGRU em decorrência do resgate do capitão Phillips, a execução de
disparos sequenciais não era recomendável, uma vez que o som produzido pelo
primeiro tiro poderia originar a pronta reação dos outros sequestradores
colocando a vida do refém em risco. Assim, coube aos snipers a intrincada
tarefa de coordenar três disparos sincronizados de modo a neutralizar três
ameaças distintas ao mesmo tempo.
Na situação em que se encontravam, os SEALs
embarcados no Bainbridge estavam distribuídos em uma plataforma móvel
monitorando alvos em outra plataforma também móvel. Nessas condições, além das
variáveis características da balística externa (distância do alvo, velocidade
do vento, umidade e resistência do ar) outras variáveis fundamentalmente
importantes devem ser consideradas, entre elas: a manobrabilidade do navio, as
vibrações oriundas da embarcação, além do estado do mar, que devido à sua
inconstância permite uma superfície instável que dificulta a precisão do
disparo, requerendo elevado nível de flexibilidade e improviso por parte do
atirador.
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