quarta-feira, 20 de junho de 2018

Emprego da Doutrina F3EAD em Apoio às Operações Especiais (Parte Final)


Adaptação do texto escrito originalmente por Charles Faint & Michael Harris, publicado em 31 de janeiro de 2012 no Small Wars Journal. (Disponível em: http://smallwarsjournal.com/jrnl/art/f3ead-opsintel-fusion %E2%80%9Cfeeds%E2%80%9D-the-sof-targeting-process Acesso em: 28 mai. 2018). 


Fotografia 1: Operadores do 3rd Reconnaissance Battalion (3° Batalhão de Reconhecimento) do Corpo de Fuzileiros Navais norte-americano (US Marine Corps) e do Real Corpo de Fuzileiros Navais britânico (Royal Marines) participam de treinamento combinado para desenvolver procedimentos comuns em operações VBSS (Visit, Board, Search and Seizure [de Retomada e Resgate]) nos ambiente geográfico do Pacífico. (Fonte: Disponível em:  https://www.dvidshub.net/image/4247020/us-marines-with-3rd-reconnaissance-battalion-conduct-raids-training-with-british-royal-marines-us-sailors-guam Acesso em: 18 jun. 2018). 

Unidades que empregam a metodologia F3EAD (Find, Fix, Finish, Exploit, Analyze and Disseminate [Localizar, Ajustar, Finalizar, Explorar, Analisar e Disseminar]) de forma eficiente dispõem de adaptabilidade organizacional que possibilita a incorporação consciente de pessoal e ativos, além do desenvolvimento de capacidades operacionais, que nem sempre são considerados como parte do empreendimento de combate. Sobre esse aspecto cabe salientar que nas ações não letais levadas a efeito no Afeganistão e Iraque, a inclusão de pessoal e recursos investigativos, forenses e de compartilhamento de informações, foram fundamentais no processo de transformar dados de inteligência em evidência. As particularidades de cada uma das etapas componentes da metodologia F3EAD são assim definidas:

Localizar – Esta etapa busca estabelecer um ponto inicial para a coleta de Inteligência. Estes pontos de partida levam à nomeações de alvos. O ponto inicial pode ser deliberado ou considerado com base em uma situação de “oportunidade”, podendo se concentrar em um indivíduo, organização, instalação, organização ou algum outro tipo de assinatura.

Ajustar – Refere-se à capacidade de ajustar o alvo no tempo e no espaço após ser devidamente localizado e identificado. Ao ajustar o alvo, a função de Inteligência progrediu suficientemente para que a função Operacional tenha informações para executar missões de natureza Cinética (percebidas imediatamente em virtude das ações combativas) ou Não-Cinética, tais como: neutralização de uma rede de comunicações; obtenção de resultados psicológico, políticos ou sociais desejados. Quando possível as FOpEsp (Forças de Operações Especiais) se valem da prática de espalhar o esforço de “ajustar” entre várias agências de Inteligência de maneira a aumentar a velocidade do processo, maximizar os efeitos, minimizar os custos, o esforço e o tempo.

Finalizar – As duas primeiras etapas do método F3EAD levam às operações decisivas contra o inimigo. As operações de combate nas quais as FOpEsp se engajam estão diretamente associadas à etapa “finalizar”. Contudo, embora caracterizada por métodos de Ação Direta (Cinética), essa etapa também pode ser de natureza Não-Cinética. Na metodologia F3EAD, a etapa “finalizar” refere-se mais à conclusão de uma missão específica, do que a derrota das forças inimigas, e no contexto desse método o esforço principal está apenas começando.

Explorar – Considerada como o elemento principal e o mais crítico do processo F3EAD, a etapa “Explorar” possibilita a descoberta, fixação e finalização do próximo alvo e levando à perpetuação do ciclo. Essa etapa também á a que melhor cumpre o objetivo da Inteligência, propiciar uma “vantagem decisiva” para os decisores em todos os níveis de condução da guerra/crise. No modelo F3EAD, a etapa “Explorar” constitui o processo de examinar, analisar, interrogar e processar informações provenientes de pessoal, equipamento e material capturado para fins de inteligência. Essa etapa ocorre em três níveis: a exploração no nível 1 ocorre no ambiente tático no ponto de captura; a exploração no nível 2 é orgânica em unidades ou à nível de Teatro de Operações; a exploração no nível 3 é conduzida em nível nacional como parte do esforço de toda comunidade de Inteligência. O processo de exploração pode ser realizado por pessoal vinculado à função de Inteligência ou à Função Operacional no objetivo, através de uma variedade de meios, tais como: interrogatório em campo de batalha ou exploração de documentos e mídia. O objetivo geral do esforço nessa etapa é produzir inteligência e/ou evidência para perpetuar o processo F3EAD o mais rapidamente possível. Em apoio a este objetivo, deve-se explorar quatro aspectos distintos: Proteção da Força; Desdobramento; Fornecimento de Componentes e Materiais; Provimento de Elementos de Acusação. A exploração do pessoal e material inimigo capturado para fins de Proteção da Força é realizada de modo a coibir/impedir ataques inimigos às Forças Amigas. O Desdobramento permite que as Forças Amigas mobilizem esforços contra as Forças Inimigas para obter efeitos letais ou não letais. O Fornecimento de Componentes e Materiais contribui para que a Inteligência assimile as informações relacionadas ao pessoal e material inimigo capturado, permitindo-lhe integrar os dados obtidos em toda a sua rede. Finalmente, o Provimento de Elementos de Acusação auxilia em um eventual processo legal movido contra as forças inimigas depois que seu pessoal e material foi totalmente explorado para fins de inteligência. Ao incluir a acusação como parte do processo de exploração, a metodologia F3EAD oportuniza que forças amigas transformem inteligência em evidência, possibilitando que as forças inimigas, se necessário, sejam legalmente acusadas no intuito de assegurar a proteção das Forças Amigas e da população que as apoiou (particularmente em conflitos de natureza irregular).

Fotografia 2: Quadros operacionais do 10th SFG-A (10th Special Forces Group-Airborne [10° Grupo de Forças Especiais-Aerotransportadas]) do Exército norte-americano e do 1° Regimento de Forças Especiais do DWS (Dowództwo Wojsk Specjalnych [Comando de Operações Especiais]) polonês durante planejamento de uma ação combinada. (Fonte: Disponível em: http://www.eucom.mil/media-library/Article/19570/building-special-operations-military-relationships-in-europea-continuous-cycle Acesso em: 18 jun. 2018).

Analisar – É durante esta etapa que as informações coletadas nas fases anteriores são transformadas em dados de inteligência possíveis de serem usados nas operações a serem conduzidas. As análises podem ser realizadas pelas FOpEsp no Teatro de Operações, ou mediante envio do material coletado para instalações apropriadas visando uma avaliação mais profunda. É importante salientar a importância da ação interagências para a análise de inteligência, uma vez que, geralmente, as FOpEsp não dispõem da infraestrutura orgânica necessária para maximizar o valor do método F3EAD.

Disseminação – Esta etapa constitui uma das chaves para o sucesso da metodologia F3EAD, pois considera a criação de uma rede de difusão mais ampla que àquela tradicionalmente praticada na comunidade de inteligência norte-americana. A disseminação dos dados de inteligência coletados por FOpEsp ajuda a criar uma rede eficiente e com capacidade para apresentar/compartilhar a informação de forma apropriada. Nesse contexto, a informação chega depurada e com agilidade aos níveis decisores evitando que seja corrompida no longo percurso adotado pelos métodos tradicionais de inteligência, uma vez que nos procedimentos convencionais a informação, necessariamente, deve percorrer os diferentes níveis hierárquicos. 

A metodologia F3EAD representa uma revolução na forma como as FOpEsp conduzem ações letais e não-letais. Mais do que um modelo conceitual, esse método reflete o conceito que preconiza a fusão entre as funções de Inteligência e Operacional. O método F3EAD cria um tipo de unidade de esforço e potencializa o ritmo operacional inédito no âmbito dos enfrentamentos contemporâneos. O sucesso das tropas especiais, valendo-se dessa metodologia, serve como validação da eficácia do processo.







terça-feira, 5 de junho de 2018

Emprego da Doutrina F3EAD em Apoio às Operações Especiais (Parte 1)

Adaptação do texto escrito originalmente por Charles Faint & Michael Harris, publicado em 31 de janeiro de 2012 no Small Wars Journal. (Disponível em: http://smallwarsjournal.com/jrnl/art/f3ead-opsintel-fusion %E2%80%9Cfeeds%E2%80%9D-the-sof-targeting-process Acesso em: 28 mai. 2018). 


Fotografia 1: Cena do filme "12 Heróis" (12 Strong, 2018), que retrata a história da primeira equipe de Special Forces (Forças Especiais) do Exército dos EUA enviada ao Afeganistão após os atentados de 11 de setembro de 2001, com a finalidade de convencer os líderes da Aliança do Norte a unirem forças no combate ao Talebã e à al-Qaeda. (Fonte: Disponível em: http://www.sky.com/movie/12-strong-2018 Acesso em: 30 mai. 2018). 

Projetada para ser utilizada pelas FOpEsp (Forças de Operações Especiais) norte-americanas em missões de Ação Indireta, a doutrina F3EAD (Find, Fix, Finish, Exploit, Analyze and Disseminate [Localizar, Ajustar, Finalizar, Explorar, Analisar e Disseminar]) surgiu para contrariar a crescente ameaça comunista na América Latina na década de 1980
Também conhecida pelo termo “Feed”, esta metodologia é uma versão da doutrina Targeting (Segmentação), processo pelo qual ocorre a seleção de alvos a serem engajados dentro da Área de Responsabilidade (área geográfica associada na qual um comandante combatente geográfico tem autoridade para planejar e conduzir operações) ou Áreas de Influência (área geográfica em que um comandante é diretamente capaz de influenciar operações por manobras ou sistemas de apoio de fogo normalmente exercendo comando ou controle) de um componente militar em decorrência de um conflito e/ou crise.
Operando em rede, a doutrina Targeting enfatiza a identificação dos HPT (High Payoff Target [Alvos de Prejuízo Elevado]) combinando um conjunto de ações letais e não-letais apropriadas para cada um desses alvos no intuito de criar efeitos específicos e desejados compatíveis com os requisitos operacionais e em conformidade com os objetivos do Comandante. Cabe à esse sistema, a tarefa de identificar e selecionar recursos que proporcionam maior vantagem ao inimigo e os quais as forças adversárias não podem se dar ao luxo de perder. Além disso, é de responsabilidade do método Targeting a tarefa de vincular os efeitos desejados às ações a serem desempenhadas pelas Forças Amigas.


Figura 1: As cinco fases que compõem o "Ciclo de Inteligência". (Fonte: Disponível em: https://countuponsecurity.com/2015/08/15/the-5-steps-of-the-intelligence-cycle/ Acesso em: 30 mai. 2018).

Por sua vez, a doutrina F3EAD é um sistema de rede que permite às FOpEsp a capacidade de antecipar e prever ações realizadas por tropas inimigas, identificando, localizando e direcionando forças mediante exploração de dados de inteligência (potencial de combate adversário) obtidos por ocasião da captura de pessoal e material. A base para o êxito da metodologia F3EAD consiste na simbiose entre as funções de Inteligência e Operacional em todo os processos conduzidos pelas FOpEsp. Nesse sentido, os decisores estabelecem alvos prioritários, a função de Inteligência fornece o direcionamento para o alvo, enquanto a função Operacional executa as ações levadas à efeito como uma (OpEsp) Operação Especial.
Esta relação simbiótica, permite que a função de Inteligência compreenda, antecipe e busque atender às necessidades da função Operacional de modo a favorecer a agilidade das ações, permitindo aos decisores, em todos os níveis de condução da guerra/crise (Político, Estratégico, Operacional e Tático), dispor das condições necessárias para planejar e executar operações contra o inimigo sem que o mesmo possa reagir adequadamente. Dispondo dessa capacidade, as Forças Amigas têm condições de ditar o ritmo e definir as condições operacionais.
O F3EAD é uma evolução natural do Targeting, combinando aspectos do ciclo de inteligência e planejamento operacional convencionais com o conjunto de técnicas e táticas emergentes, assimilados em procedimentos desenvolvidos em operações de contingência realizadas em todo o mundo.


Fotografia 2: Operador das Special Forces (Forças Especiais) do Exército norte-americano emprega dispositivo de comunicação multicanais de alto desempenho no campo de batalha. (Fonte: Disponível em https://americansecuritytoday.com/harris-wins-us-special-ops-contract-next-gen-manpack-radios-video/ Acesso em: 30 mai. 2018). 

Embora as FOpEsp estejam melhor preparadas para se valerem das vantagens ofertadas pelo método F3EAD (devido à sua adaptabilidade organizacional, treinamento especializado e recursos exclusivos), essa metodologia não é inovadora nem exclusiva das unidades militares de elite. Nos EUA, o F3EAD constitui parte dos programas básicos de treinamento visando a formação de pessoal na especialidade Inteligência.
Uma diferença fundamental entre a doutrina convencional de Targeting e a F3EAD refere-se ao fato de que a metodologia convencional concentra-se, sobretudo, nas operações de Ação Direta (AD) executadas contra HPTs (levadas à efeito com a finalidade de causar efeitos letais de modo a ocasionar ao inimigo grande dano ou destruição/eliminação), enquanto o método F3EAD adequa-se tanto às AD quanto às Ações Indiretas (AI), que por sua vez priorizam os efeitos não letais. Ao contrário das metodologias tradicionais de Targeting, que direcionam esforços para a etapa "finalizar", uma vez que os conflitos passados buscavam a destruição física das forças inimigas e sua infraestrutura à fim de minar com sua vontade de resistir, o principal esforço do método F3EAD encontra-se voltado para as etapas “explorar, analisar e disseminar”. Nesse contexto, é essencial reconhecer que a natureza da guerra mudou e encontra-se em constante evolução.
Na denominada “Era da Informação” os conflitos se prolongam e o espectro da ameaça apresenta caráter variável, alternando oponentes que lançam mão de métodos adaptativos e assimétricos e adversários que dispõem de poder de combate suficiente para empreender formas convencionais e simétricas de enfrentamento. Nesse cenário, destacam-se a guerra em rede, os atores não-estatais e a aversão ao risco, como determinantes para que o esforço principal não pode se limite à “derrota” das forças inimigas no sentido tradicional da “Guerra de Atrito”.
No âmbito da guerra travada no século XXI, é importante perceber o processo F3EAD como uma rede com os diferentes elementos do processo ligados diretamente uns aos outros e em fusão com as funções de Inteligência e Operacional. O ciclo é contínuo, mas não necessariamente congruente, e as etapas geralmente são omitidas ou encurtadas para que o processo acompanhe a “velocidade” da guerra.

Figura 2: Etapas do processo F3EAD. (Fonte: Disponível em: http://smallwarsjournal.com/jrnl/art/f3ead-opsintel-fusion %E2%80%9Cfeeds%E2%80%9D-the-sof-targeting-process Acesso em: 28 mai. 2018). 

Continua...