terça-feira, 18 de dezembro de 2018

A Utilização da "Numérica" como Código para Identificação de Elementos de Operações Especiais

Texto elaborado por Rodrigo Araújo Ferreira*  

Fotografia 1: Quadros Operacionais do MARSOC (Marine Corps Special Operations Command [Comando de Operações Especiais do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA]) realizando exercício de tiro. O operador em primeiro plano utiliza um patche com um código alfanumérico próprio dos MARINES. (Fonte: Disponível em: https://www.foxnews.com/tech/weapons-upgrade-set-to-make-us-special-operations-even-more-deadly Acesso em: 15 dez. 2018).

Por definição “número” é um instrumento da matemática empregado com finalidades distintas resultantes de processos de contagem, medição, ordenação e/ou codificação. Considerado como uma forma de identificação eficiente, os números têm sua utilização difundida nas Forças Armadas (FFAA) e Forças de Segurança Pública (FSP), sobretudo, como indicativo visual.
Para se ter uma ideia da longevidade do emprego de números como forma de identificação de tropas militares, as Legiões Romanas, cuja organização formal data das Guerras Samnitas que antagonizaram a República Romana e os Samnitas (indo-europeu que habitava a península itálica) entre 343 e 290 a.C., eram reconhecidas por simbologia expressa por números e nomes (ex. Legio I GermanicaLegio II SabinaLegio III GallicaLegio VI VictrixLegio VIII Augusta, etc.).  

Figura 2: Legionários romanos em marcha. Em segundo plano, é possível observar o Signiferi transportando o Vexillum (estandarte) da Legio X Equestris. (Fonte: Disponível em: https://www.artstation.com/artwork/caesar-in-gaul Acesso em: 15 dez. 2018).

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) algumas tropas valiam-se da utilização de números para definir postos hierárquicos, diferenciando os comandantes e seus comandados.
Por ocasião da denominada “Operação Overlord” (popularmente conhecido como “Dia D”), levada à efeito em 6 de junho de 1944 em decorrência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as tropas aerotransportadas norte-americanas que desembarcaram na Normandia (região noroeste da França) para confrontar as forças da Alemanha Nazista eram identificadas por números.
No contexto contemporâneo, a utilização da numérica no uniforme (colete, capacete e fardamento) funciona como um código empregado com a finalidade de transmitir mensagens de forma oculta, podendo ser compreendida apenas pelas pessoas que conhecem o código em questão.  
No âmbito operativo, a numérica tem por objetivo básico identificar o operador tático (atua taticamente em equipe de forma homogênea e uniformizada) e/ou especial (atua taticamente em equipe de forma heterogênea e não-necessariamente uniformizada) de forma mais rápida, ágil e eficaz em situações de enfrentamento e/ou crise, favorecendo no direcionamento de atribuições uma vez que a unidade de comando (autoridade de direção e controle da força atribuída a uma só pessoa sendo qualquer militar/policial subordinado a um único chefe superior) não pode ser comprometida, assim como a verbalização de ordens não podem ser mal interpretada. 
Embora seu uso tenha padronização que varia de unidade para unidade, a numérica é utilizada genericamente com base no trinômio Simplicidade, Sigilo e Segurança. Seu emprego, além da função primária de identificação, busca assegurar discrição tanto no que concerne à missão realizada quanto à identidade do militar/policial que dela participa.

Fotografia 3: Dupla de operadores do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) da PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro) em ação conduzida no complexo de favelas do Alemão, localizado na capital fluminense. Ambos apresentam o código numérico afixado à parte frontal do colete. (Fonte: Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/operacao-do-bope-no-complexo-do-alemao-tem-ao-menos-cinco-mortos-dois-feridos-21293673.html Acesso em: 15 dez. 2018.).  

Especialistas na condução da modalidade de Guerra Irregular, os Special Forces Groups (Grupos de Forças Especiais) do Exército norte-americano é apenas um exemplo de tropa que se vale de códigos alfanuméricos como elemento de identificação e comunicação. Na comunidade estadunidense das Special Forces, especificamente, os operadores têm um conjunto específico de habilidades constituído a partir de sua MOS (Military Occupational Specialty [Especialidade Ocupacional Militar]), código de nove caracteres usado pelo Exército e Corpo de Fuzileiros Navais para identificar uma tipologia de trabalho adequada a cada militar. Para se qualificarem nos MOS, os operadores devem frequentar o SFQC (Special Forces Qualification Course [Curso de Qualificação das Forças Especiais]) com duração de até dois anos, dependendo da MOS. Após completarem o SFQC, os operadores são designados para um ODA (Operational Detachment Alpha [Destacamento Operacional Alfa) em um dos cinco Grupos de Forças Especiais. Um típico ODA constituído por doze operadores comporta as seguintes MOS: 18A (Oficial Comandante de Destacamento); 180A (Oficial Subcomandante de Destacamento); 18Z (Sargento de Operações); 18F (Sargento de Inteligência); 18B (2 Sargentos de Armamentos); 18C (2 Sargentos de Engenharia/Demolições); 18D (2 Sargentos de Saúde); 18E (2 Sargentos de Comunicações).
Na identificação dos operadores envolvidos em uma dada missão, a numérica expressa nos uniformes auxilia a prover informações precisas de modo a direcionar o curso das ações reduzindo ao máximo as possibilidades de erro devido a eventuais falhas na comunicação.

Rodrigo Araújo Ferreira é policial vinculado ao GATE (Grupamento de Ações Táticas Especiais) da PMPB (Polícia Militar da Paraíba). Policial militar desde 2012, o autor frequentou o CATE (Curso de Ações Táticas Especiais) em 2016, possui graduação em Geografia e atualmente é bacharelando em Direito. 








sexta-feira, 23 de novembro de 2018

As Sentinelas de Athena: O Engajamento de Mulheres nas Tropas de Operações Especiais do Exército dos EUA (Parte Final)

Texto elaborado por Rodney Alfredo P. Lisboa


Fotografia 4: Quadros operacionais das CSTs interagem com mulheres e crianças em uma aldeia afegã. (Fonte: Disponível em: https://www.dvidshub.net/image/1069689/cultural-support-team Acesso em: 22 nov. 2018).  

Constituídas de três a cinco operadoras, as CSTs (Cultural Support Teams [Equipes de Apoio Cultural]) do Exército norte-americano atuavam na Guerra do Afeganistão (2001 até o presente) provendo o suporte às FOpEsp (Forças de Operações Especiais) executando diferentes operações de campo, incluindo ações de combate.
Conhecedoras da cultura e tradições locais, cabia à essas militares a tarefa de interagir com a população feminina afegã, sobretudo, nas denominadas VSO (Village Stability Operations [Operações de Estabilidade de Aldeias]) conduzindo programas de assistência médica, assistência humanitária, construção de relacionamentos, além de coleta de dados de inteligência.
A presença das CSTs possibilitou que a Força de Coalizão liderada pelos EUA rompesse uma barreira culturalmente intransponível, uma vez que as mulheres afegãs eram impedidas de manter contato com homens estranhos ao seu círculo familiar. O engajamento das operadoras no conflito permitiu o acesso direto a uma importante parcela da população afegã (50% dos afegãos são mulheres), considerada como elemento central na condução do lar e na educação da família, possibilitando o alcance a importantes fontes de informação até então inacessíveis às tropas.
O processo seletivo para as CSTs foi conduzido pelo USASOC (US Army Special Operations Command [Comando de Operações Especiais do Exército dos EUA]), localizado em Fort Bragg, no estado da Carolina do Norte. Assim como ocorre com qualquer programa de Operações Especiais para homens, a seleção para mulheres foi constituída no decorrer de seis semanas de exigentes testes físicos e intelectuais aplicados com o objetivo de avaliar as capacidades psicológicas das candidatas para atuar em um ambiente norteado pela incerteza, elevado risco e reduzido feedback. Coube ao Cultural Support Assessment and Selection Program (Programa de Avaliação e Seleção das Equipes de Apoio Cultural) a tarefa de eliminar àquelas candidatas que não apresentavam perfil compatível com as exigências da demanda requerida.

Fotografia 5: Candidatas ao Cultural Support Assessment and Selection Program (Programa de Avaliação e Seleção das Equipes de Apoio Cultural) durante instrução conduzida pelo U.S Army John F. Kennedy Special Warfare Center and School em Fort Bragg. (Fonte: Disponível em: https://www.flickr.com/photos/insideswcs/5915659924 Acesso em: 22 nov. 2018).


Atuando como “facilitadoras” para ações posteriores conduzidas pelas FOpEsp, as operadoras das CSTs engajaram-se no Afeganistão com os quadros operacionais masculinos, conduzindo patrulhas, realizando a limpeza de aldeias e, quando necessário, participando do confronto armado. Lutando ombro à ombro com os operadores em operações de Ação Direta, as integrantes das CSTs colocaram-se à prova no campo de batalha. Comprovando seu valor como combatentes, elas fizeram cair por terra argumentos contrários à sua presença nas funções típicas de infantaria, refutando a premissa da fragilidade feminina, contestando a alegação de que seriam uma distração para seus companheiros homens. 
Sobre a interação entre militares de ambos gêneros, uma questão que merece ser abordada refere-se aos relacionamentos afetivos e/ou sexuais instituídos durante os engajamentos. Como uma característica intrínseca da espécie humana, é fato que o instinto natural fará com que homens e mulheres se relacionem independentemente do ambiente em que estejam vivenciando. Como ocorre em todo ambiente profissional, a questão aqui não é evitar que as relações entre os militares ocorram, mas sim que elas ocorram resguardando o profissionalismo e atendendo às respectivas tarefas operativas. Um(a) operador(a) que não consegue manter um relacionamento afetivo e/ou sexual no ambiente de trabalho enquanto executa suas atividades profissionais está fadado a fracassar no desempenho de suas funções, podendo comprometer a performance coletiva e o resultado das operações.
Outra questão fundamentalmente importante, diz respeito à capacidade feminina de suportar os rigores do combate. Especificamente no que concerne ao processo seletivo para as CSTs, estipulou-se que para se qualificarem no programa as candidatas deveriam, independente das características anatômicas e fisiológicas próprias de seu gênero, ter que se adequar ao ambiente operativo. Assim, caberia a elas desempenhar um conjuntos de tarefas árduas e sem qualquer concessão. No campo de batalha, homens e mulheres devem ser capazes de responder igual e prontamente às severas exigências físicas, intelectuais e psicológicas que lhes são impostas, e caso não demonstrem predisposição para isso devem ser desconsiderados para missões dessa ordem.

Fotografia 6: Operadoras da Jegertroppen norueguesa participam de instrução de tiro. (Fonte: Disponível em: https://womenintheworld.com/2017/04/18/norways-jegertroppen-the-worlds-1st-all-female-special-forces-unit-impress-top-military-brass/ Acesso em: 22 nov. 2018).

Os efeitos da Guerra Global contra o Terrorismo iniciada em 2001 após os atentados de 11 de Setembro, permitiu a quebra de um paradigma que restringia a comunidade OpEsp ao gênero masculino. A necessidade, motivada por particularidades culturais, possibilitou o ingresso de mulheres nas unidades militares de elite, fato que potencializou a atuação das tropas e contribuiu significativamente para conscientizar os decisores para novas possibilidades de emprego.
Ainda que os EUA tenham se notabilizado pelo desenvolvimento do programa CSTs, o emprego de mulheres no âmbito das tropas especiais não é uma exclusividade norte-americana. Vinculada ao FSK (Forsvarets Spesialkommando [Comando de Operações Especiais da Noruega]), a Jegertroppen é considerada como a primeira FOpEsp constituída apenas por mulheres, sendo responsável pela condução de Reconhecimento Especial em áreas urbanas. Assim como ocorreu com as CSTs, a Jegertroppen também foi empregada no Afeganistão basicamente da mesma forma como sua contraparte estadunidense.









terça-feira, 18 de setembro de 2018

As Sentinelas de Athena: O Engajamento de Mulheres nas Tropas de Operações Especiais do Exército dos EUA (Parte 1)

Texto elaborado por Rodney Alfredo P. Lisboa

Fotografia 1: Dupla de integrantes do CST-2 (Cultural Support Team-2 [Equipe de Apoio Cultural-2) desdobradas no Afeganistão para operar em auxílio aos quadros operacionais das Special Forces (Forças Especiais) dos EUA. (Fonte: Disponível em: https://atwar.blogs.nytimes.com/2015/09/14/army-rangers-cultural-support-teams/ Acesso em: 17 set. 2018).

Destacada como uma das principais divindades da mitologia grega, Athena é cultuada, entre outras virtudes, como a deusa da estratégia de batalha. Reverenciada como a antítese de Ares, o deus da guerra, ela possui grande habilidade e sabedoria, enquanto ele prima pela violência e impulsividade, características que muitas vezes o leva a ser incapaz de distinguir aliados e inimigos no campo de batalha. As vitórias que conquistou nos constantes embates travados contra Ares ratificam a submissão da força bruta à soberania e ao equilíbrio, motivo que nos leva a usá-la como figura símbolo deste breve estudo.
Embora a guerra seja um empreendimento associado, quase que exclusivamente, ao gênero masculino, não são poucos os exemplos de mulheres que se destacaram no campo de batalha combatendo juntos aos homens, muitas vezes sendo forçadas a ocultar sua verdadeira identidade. Ainda que o papel das mulheres nas funções de combate seja um tema controverso por ocasião de questões éticas e morais, muitas delas demonstraram o valor do engajamento feminino lutando em inúmeros conflitos de natureza regular (guerra convencional) ou irregular (guerra de guerrilha) conduzidos no decorrer da História. Sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial, as mulheres trabalharam como enfermeiras, pilotaram aviões, e agiam clandestinamente transmitindo informações relacionadas à evolução e consequências dos combates. Percebidas no passado, majoritariamente, como elemento vulnerável e vítima inocente nas áreas de conflito, no início do século XXI elas passaram a conquistar um espaço gradativo, sendo destacadas para executar funções que lhes eram negadas no passado, principalmente nas zonas de confronto. 
Em Israel, país cuja tradição prevê o serviço militar obrigatório para ambos gêneros, as mulheres que atuam em unidades vocacionadas para o combate são, invariavelmente, dispensadas após seu casamento ou maternidade devido ao papel social ocupado pela mulher junto à família (esposa e/ou mãe).
Ainda que a década de 1990 represente uma evolução no que se refere ao engajamento feminino em campanhas militares, servindo em funções de apoio, inteligência, bem como nas atividades navais e de aviação, as cerca de 40 mil mulheres mobilizadas na Guerra do Golfo (1990-1991) mantiveram-se distantes das atribuições de combate delegadas aos soldados de infantaria. Entretanto, a Guerra Global contra o Terrorismo iniciada pelo governo do presidente George W. Bush (2001-2009) após a série de atentados contra o território norte-americano perpetrados pela al-Qaeda em 11 de setembro de 2001, promoveu profundas mudanças na forma como os EUA encaravam seus antagonistas revelando significativas lacunas em sua estratégia de enfrentamento. Assim, o engajamento feminino nas funções de combate passou a ser rediscutido na alta cúpula das Forças Armadas estadunidense.

Fotografia 2: Almirante Eric Thor Olson, idealizador do programa CST junto ao USSOCOM (US Special Operations Command [Comando de Operações Especiais dos EUA]). (Fonte: Disponível em: https://de.wikipedia.org/wiki/Eric_T._Olson  Acesso em: 17 set. 2018). 
Considerado como um estudioso das constantes transformações ocorridas no decorrer da guerra, o Almirante Eric Thor Olson, Comandante do USSOCOM (US Special Operations Command [Comando de Operações Especiais dos EUA]) entre 2007 e 2011, acreditava que as tropas norte-americanas encontravam-se desequilibradas, demasiadamente preparadas para o confronto (Ação Direta) mas insuficientemente aptas para travar a guerra baseada no conhecimento (Ação Indireta). Por terem se engajado em um conflito travado contra um inimigo cujas particularidades socioculturais eram praticamente desconhecidas, aos militares norte-americanos carecia informações relacionadas às especificidades da população afegã. Para o Almirante Olson, por serem as mulheres capazes de exercer grande influência na sociedade local, uma gama de informações cruciais se mostrava inacessível devido ao código islâmico do povo pachtun (situados nas regiões leste e sul do Afeganistão, bem como no Paquistão) que impede as mulheres de manter contato com qualquer homem que não esteja em seu círculo de relações (conjugal ou sanguínea).
A ideia do Almirante Olson começou a ganhar força em 2010, quando o Almirante William Harry McRaven, Comandante do JSOC (Joint Special Operations Command [Comando Conjunto de Operações Especiais]) entre 2008 e 2011, solicitou a presença de mulheres militares para atuar como “facilitadoras” (conduzindo interrogatório tático junto às mulheres afegãs) em apoio às ações de combate levadas à efeito pelo 75th Ranger Regiment (75° Regimento Ranger) no Afeganistão. Para o JSOC o emprego de soldados femininos era imprescindível, pois a presença de mulheres militares não violaria códigos culturais e auxiliaria a estabelecer relações de confiança das tropas com os pachtuns. Respondendo imediatamente à solicitação do JSOC, o Comandante do USSOCOM solicitou ao USASOC (US Army Special Operations Command [Comando de Operações do Exército dos EUA]) que iniciasse um programa de treinamento feminino. Dividido em dois CSTs (Cultural Support Team [Equipe de Apoio Cultural]), esse programa era duplamente vocacionado. Enquanto o primeiro grupo estava sendo preparado para operar em ações efetivas de combate com os Rangers conduzindo métodos de Ação Direta, o segundo grupo capacitava-se para atuar junto às Special Forces (Forças Especiais) executando métodos de Ação Indireta nas relações das tropas com a população local e seus líderes.

Fotografia 3: Integrante do CST-2 interage com crianças de origem pachtun em uma das províncias do Afeganistão. (Fonte: Disponível em: https://specialoperations.com/30488/female-special-forces-officers/ Acesso em: 17 set. 2018). 

Continua...




terça-feira, 21 de agosto de 2018

Sob as Garras do Predador: Tecnologia dos Drones Empregada em Suporte às Operações Especiais (Parte 2)

Texto elaborado por Rodney Alfredo P. Lisboa, publicado originalmente pela Revista Segurança & Defesa, n° 120, pgs. 54 a 58, 2015. 


Fotografia 4: Teste operacional do Sistema Switchblade desenvolvido por solicitação do USAFSOC (US Air Force Special Operations Command, ou Comando de Operações Especiais da Força Aérea dos EUA) para prover suporte às pequenas frações das tropas de infantaria. (Fonte: Disponível em: https://www.c4isrnet.com/special-reports/missile-defense/2015/08/11/kamikaze-drones-add-a-new-layer-of-lethality-to-remote-forces/Acesso em: 17 ago. 2018).

Ainda que os pormenores relacionados aos métodos de utilização de ARP (Aeronaves Remotamente Pilotadas) por tropas especiais seja um segredo muito bem resguardado pelos Estados que lançam mão desse recurso, uma vez que sua divulgação poderia comprometer a efetividade das operações que se utilizam desse vetor, é possível identificar quatro categorias de OpEsp para as quais se aplica o suporte fornecido por ARP: Ação Direta; Reconhecimento Especial; Contraterrorismo; Defesa Interna Estrangeira.
Conhecida no Brasil pelo termo Ação de Comandos, as operações de Ação Direta são planejadas para serem executadas de surpresa, com intensidade e curta duração. Esta categoria de OpEsp é conduzida por Elementos de Operações Especiais (ElmOpEsp) em ambientes hostis, negados ou politicamente sensíveis, com a finalidade de tomar, retomar, destruir, capturar, resgatar ou neutralizar alvos designados. As Ações Diretas diferem das Ações Convencionais por serem conduzidas em ambiente de alto risco, bem como por possuírem técnicas específicas de realização e precisão no uso da força a fim de evitar danos colaterais.
As operações de Reconhecimento Especial envolvem as ações de reconhecimento e vigilância realizadas em ambientes hostis, negados ou politicamente sensíveis, com o objetivo de recolher um conjunto de informações de relevância estratégica ou operacional relacionadas à capacidade de combate de um inimigo real ou potencial, além de particularidades inerentes ao ambiente (terreno e clima). 
Ações de Contraterrorismo são constituídas por um conjunto de medidas tomadas diretamente contra as redes terroristas, incluindo seus indivíduos, recursos e estrutura de apoio e para prevenir sua reaparição. Indiretamente, as medidas são realizadas para influenciar e tornar os ambientes inóspitos à presença de redes terroristas.
Entende-se por Defesa Interna Estrangeira como sendo a série de ações de apoio e sustentação da defesa interna de um Estado amigo, com o objetivo de protegê-lo contra subversão, ilegalidade, insurgência, terrorismo e outras ameaças a sua segurança, estabilidade e legitimidade. As FOpEsp participam dessas ações, geralmente, conduzindo operações de não guerra (sem estarem engajadas, diretamente, em combate) provendo assessoramento, treinamento e apoio aos Estados amigos (pode incluir apoio de OpEsp às ações de combate).
A expertise norte-americana mostra que a decisão do USSOCOM (US Special Operations Command, ou Comando de Operações Especiais dos EUA) por empregar ARP operando em suporte às OpEsp ocorreu como uma alternativa para compensar deficiências vivenciadas por tropas especiais no que concerne à C3I (Comando; Controle; Comunicação; Inteligência): capacidade limitada de SATCOM (Satellite Communications, ou Comunicações por Satélite); acessibilidade e cobertura limitada das redes de banda larga; ausência de interfaces em tempo real que permita o acesso a informações coletadas por recursos de Inteligência (HUMINT [Human Intelligence, ou Inteligência Humana], SIGINT [Signal Intelligence, ou Inteligência de Sinais] e IMINT [Imagery Intelligence, Inteligência de Imagens]); falta de imagens em tempo real ou quase real que permita o estudo do terreno e das ações a serem executadas na AO; carência de arquivo de dados para planejamento de operações futuras.


Figura 1: Tabela de Classificação das ARPs (Aeronaves Remotamente Pilotadas) empregadas em suporte às unidades/operações militares.

Para que as informações ISR (Intelligence, Surveillance, Target Acquisition and Reconnaissance, ou Inteligência, Vigilância, Aquisição de Alvos e Reconhecimento) coletadas por ARP possam contribuir com a FOpEsp engajada em dada operação, ambos devem operar no contexto da Network Centric Warfare (Guerra Centrada em Rede), segundo o qual a guerra aplicada no âmbito da denominada “Era da Informação” busca abranger os níveis estratégico, tático e operacional, sincronizando sensores e sistemas de forma colaborativa. Nesse sentido, a fim de fornecer uma consciência situacional que permite estabelecer Comando e Controle operacional, é imperativo que o FOpEsp inserido na AO tenha à sua disposição uma rede de enlace de dados eficaz.
Para que as ARP possam operar em apoio às OpEsp é fundamental que a tecnologia embarcada na aeronave possa ser configurada para atender aos requisitos da unidade de elite executando  RSTA (Reconaissance, Surveillance; Target Acquisition, ou Reconhecimento, Vigilância; Aquisição de Alvos) com discrição e sem denunciar a presença do DFOpEsp.
Embora sejam classificadas, normalmente, por ocasião de sua performance relacionada a altitude e autonomia de voo, as ARP proveem suporte  às unidades terrestres valendo-se de um modelo de categorização (tendo como referência unidades militares convencionais) que comporta quatro classes distintas de aeronaves:
As ARP da Classe I executam RSTA provendo suporte em nível de pelotão. No filme “Act of Valor” (Ato de Coragem), produzido em 2012, Hollywood explorou o emprego de uma ARP Classe I, tipo RQ-11 Raven (manufaturada pela AeroVironment) provendo apoio a um destacamento SEAL engajado em uma operação de resgate de refém realizada em ambiente ribeirinho. As aeronaves dessa classe são particularmente recomendadas para equipar DFOpEsp devido a sua capacidade de prover apoio direto às unidades de pequeno porte, uma vez que dispõe de flexibilidade operacional (voa de forma autônoma ou remotamente controlada por uma estação de terra operada por membros do próprio destacamento) para fornecer imagens aéreas em tempo real que servem para nortear as ações dos ElmOpEsp que operam no solo. Por contribuir para manter a furtividade das operações, aeronaves dessa categoria oferecem vantagens adicionais para as tropas especiais por serem difíceis de identificar quando em sobrevoo devido ao seu tamanho reduzido e pequena dispersão sonora (os motores elétricos que as impulsionam produzem ruído muito baixo). Além do RQ-11 Raven, são exemplos dessa classe de ARP: RQ-12 Wasp, RQ-20 Puma e Switchblade (todas da AeroViroment); Desert Hawk (Lockheed Martin); Aladin (EMT); Skylark 1 (Elbit Systems); Stalker (Lockheed Martin); Scout (Aeryon Labs).
Aeronaves da Classe II realizam RSTA e designação/iluminação de alvos oferecendo apoio em nível de pelotão e companhia. Lançada a partir de uma catapulta inserida no USS Bainbridge, contratorpedeiro de bandeira norte-americana, uma ARP Classe II modelo ScanEagle (fabricado pela Insitu, subsidiária da Boeing), forneceu imagens que contribuíram para a operação de resgate de Richard Phillips, capitão do navio porta-contêineres Maersk Alabama, que em abril de 2009 foi mantido como refém em uma balsa de salvamento na costa oriental africana por piratas somalis, posteriormente alvejados por snipers do DEVGRU (Naval Special Warfare Development Group, ou Grupo de Desenvolvimento de Guerra Especial Naval) da Marinha dos EUA. Juntamente com o ScanEagle, destacam-se como modelos de referência dessa classe: RQ-2 Pioneer.; RQ-7 Shadow (ambos fabricados pela Aircraft Armaments, Inc [AAI Corporation]); Luna (EMT).


Fotografia 5: Imagem do bote de resgate do navio porta contêineres Maersk Alabama, transportando Richard Phillips (capitão da embarcação mercante) na condição de refém de quatro piratas somalis. A imagem acima foi obtida em abril de 2009 por uma ARP modelo ScanEagle lançada do contratorpedeiro Bainbridge (DDG-96), de bandeira norte-americana. (Fonte: Disponível em: http://museumpublicity.com/2014/01/15/captain-phillips-rescue-pilot-lecture-jan-25/Acesso em: 18 Ago. 2018). 

Plataformas da Classe III efetuam RSTA, designação/iluminação de alvos, detecção de minas e retransmissão de comunicações fornecendo auxílio em nível de batalhão. As campanhas militares levadas a efeito após a deflagração da GWOT (Global War on Terrorism, ou Guerra Global contra o Terrorismo), promovida pelo governo dos EUA por ocasião dos atentados contra o território estadunidense em 11 de setembro de 2001, promoveram as ações das ARP da Classe III, modelo MQ-1 Predator (produzido pela General Atomics), que operava de modo a fornecer informações relevantes para a CIA (Central Intelligence Agency, ou Agência Central de Inteligência) e FOpEsp que conduziram uma diversidade de missões contra organizações terroristas no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Somália e Iêmen. Ações típicas das FOpEsp na GWOT eram executadas predominantemente à noite para assegurar o trinômio: sigilo; surpresa; eficácia. Para tanto, os DFOpEsp desdobrados recebiam auxílio de ARP que sobrevoavam a AO apontando alvos com designador infravermelho (cuja luminosidade era captada apenas pelas lentes dos OVN [Óculos de Visão Noturna] acoplados aos capacetes táticos) e coletando dados que serviam de subsídio para que o piloto da aeronave, situado a vários quilômetros de distância do local onde a operação era realizada, pudesse orientar os procedimentos de patrulha conduzidos em terra pelos ElmOpEsp. Somados ao MQ-1 Predator, constituem essa classe de aeronaves: MQ-9 Reaper (General Atomics); Heron (Israel Aerospace Industries [IAI]); Harfang (European Aeronautic Defense and Space [EADS]).
Por sua vez, as ARP da Classe IV (A e B) desempenham basicamente as mesmas capacidades da Classe III, podendo interligar-se com outros dispositivos não tripulados em auxílio a uma Força-Tarefa. Devido à abrangência de seu assessoramento, prestando auxílio a grandes contingentes no Teatro de Operações (TO), as aeronaves dessa classe não fornecem suporte direto às OpEsp. A ARP de maior destaque nessa categoria é o RQ-4 Global Hawk (Northrop Grumman).
Embora as FOpEsp brasileiras ainda não operem valendo-se dos recursos ofertados pelas ARP, tanto a indústria quanto os centros de tecnologia nacionais dispõem de meios (sobretudo da Classe I) com capacidade para atender às demandas de nossas tropas especiais. O Horus-FT 100 (produzido pela Flighttech) é uma ARP de lançamento manual desenvolvida para executar aplicações de curto alcance. Por sua vez, o SARP Cat 0 (Sistema de Aeronave Remotamente Pilotada Categoria 0) é uma aeronave VTOL (Vertical Takeoff & Landing, ou Decolagem e Aterrissagem Vertical) concebida em caráter experimental pelo CTEx (Centro Tecnológico do Exército). No seguimento das ARP classe II destaca-se o Falcão (desenvolvido pela Avibras), aeronave CTOL (Conventional Takeoff & Landing, ou Decolagem e Aterrissagem Convencional) caracterizada por sua capacidade multimissão.



Vídeo 1: Cena do filme "Ato de Coragem" (Act of Valor, 2012) retratando o suporte de uma ARP Classe I, modelo RQ-11 Raven, provendo apoio à um Destacamento SEAL engajado em uma operação de resgate de refém. 








sexta-feira, 20 de julho de 2018

Sob as Garras do Predador: Tecnologia dos Drones Empregada em Suporte às Operações Especiais (Parte 1)

Texto elaborado por Rodney Alfredo P. Lisboa, publicado originalmente pela Revista Segurança & Defesa, n° 120, pgs. 54 a 58, 2015. 


Fotografia 1: O drone MQ-1 Predator foi uma das ARPs (Aeronave Remotamente Pilotadas) mais empregadas nas campanhas do Afeganistão e Iraque por ocasião da GWOT (Guerra Global contra o Terrorismo) iniciada após os atentados de 11 de Setembro. Essa aeronave geralmente era utilizada juntamente com as FOpEsp (Forças de Operações Especiais) no contexto dos "Engajamentos de Precisão". (Fonte: Disponível em: http://www.thedrive.com/the-war-zone/19122/usaf-officially-retires-mq-1-predator-while-mq-9-reaper-set-to-gain-air-to-air-missiles Acesso em: 17 jul. 2018).


            Embora a tecnologia militar tenha avançado vertiginosamente no curso dos conflitos travados ao longo do tempo, a guerra ainda é um empreendimento sustentado e decidido, sobretudo, com base no esforço humano. Contudo, devido à propensão de potencializar as capacidades humanas no campo de batalha, as aplicações tecnológicas maximizam vantagens, fazendo com que a balança de mensuração de força penda a favor das tropas dotadas com maiores e melhores recursos. Tal premissa aplica-se principalmente às Operações Especiais (OpEsp) por ocasião da precisão requerida, muitas vezes visando a consecução de objetivos estratégicos de natureza crítica para o Estado patrocinador da ação.
              O caráter sensível das missões para quais as Forças de Operações Especiais (FOpEsp) se destinam requer uma grande variedade de informações obtidas em tempo real ou quase real a fim de segurança operacional. Para que possam planejar ou realizar suas ações, as tropas especiais são dependentes de sistemas de sensores de alta resolução que operam diuturnamente fornecendo imagens independente das condições meteorológicas. Nos vários eventos em que se envolveram no passado, as unidades de elite mostraram-se dependentes de satélites e aeronaves tripuladas com a função C3 (Comando; Controle; Comunicação), como o Lockheed U-2, Northrop Grumman E-8 Joint STARS ou o Boeing E-3 Sentry, para fornecer dados de inteligência que muitas vezes não tinham prioridade voltada para as operações em pequenas escala conduzidas por um Destacamento de Forças Especiais (DFOpEsp). Vulgarmente identificadas pelo termo genérico drone, as Aeronaves Remotamente Pilotadas (ARP) – também conhecidas por Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT), sua designação anterior – passaram a ser utilizadas, entre outras funções, para suprir a deficiência em relação ao apoio de inteligência ofertado às FOpEsp.


Fotografia 2: Operador do 601° Grupo de Forças Especiais do General Moravce (601. Skupina Speciální Sil Generála Moravce) da República Tcheca lança um drone modelo RQ-11B Raven (Fonte: Disponível em: https://www.reddit.com/r/MilitaryPorn/comments/7r4exd/czech_601st_special_forces_group_operator_gets/  Acesso em: 17 jul. 2018).

          Apesar do emprego de ARP ter obtido notoriedade no decorrer das campanhas militares levadas a efeito no Afeganistão (2001-2011) e Iraque (2003-2011), as aeronaves desprovidas de piloto embarcado já foram utilizadas em conflitos anteriores aos ocorridos no século XXI. Durante a Guerra do Vietnã (1959-1975), aeronaves do tipo Ryan Model 147 “Lightning Bug” da USAF (US Air Force, ou Força Aérea dos Estados Unidos) revelaram a localização de aeródromos e plataformas de lançamento de SAM (Surface to Air Missile, ou Misseis Superfície-Ar) operadas por forças norte-vietnamitas. Na Guerra do Líbano (1982) a IAF (Israel Air Force, ou Força Aérea de Israel) valeu-se dos UAV (Unmanned Aerial Vehicle, Veículos Aéreos Não Tripulados) modelo Pionner para detectar SAM no Valle de Bekaa. No decorrer da Operação Tempestade do Deserto (1991), essa mesma categoria de ARP coletou informações no nível tático para o 5th SFG(A) (5th Special Forces Group Airborne, ou 5° Grupo de Forças Especiais Aerotransportada) na campanha de caçada aos mísseis Scud iraquianos.
Mesmo podendo executar missões de Reconhecimento Armado, Supressão dos Sistemas de Defesa Aérea e Supressão de Meios Aéreos, as ARP são empregadas por FOpEsp, especificamente, devido a sua capacidade de executar missões ISR (Intelligence, Surveillance and Reconaissance, ou Inteligência, Vigilância e Reconhecimento), fornecendo, por ocasião de um sistema integrado de captação e transmissão de dados (radar de abertura sintética; câmera de TV diurna e câmera de imagem termográfica [ambas com abertura variável]; sensor eletro-óptico; designador infravermelho), um pacote de informações transmitidas via rádio que auxiliam no encadeamento do “Engajamento de Precisão”. O conceito de Engajamento de Precisão foi estabelecido pela Joint Vision 2020 (documento emitido pelo Departamento de Defesa dos EUA formulando a base da doutrina militar norte-americana) considerando, no nível estratégico da guerra, a capacidade de forças conjuntas na tarefa de localizar, vigiar, discernir e acompanhar objetivos ou alvos; selecionar, organizar e utilizar os sistemas corretos; gerar os efeitos desejados; avaliar os resultados obtidos; responder, quando necessário, com velocidade decisiva e ritmo operacional esmagador conforme os requisitos da operação militar em questão. 


Fotografia 3: O micro-drone modelo Black Hornet em procedimentos de testes para operar como equipamento pessoal dos operadores das Special Forces (Forças Especiais) do Exército dos EUA. Pesando apenas 18 gramas e com autonomia de 25 minutos, esse minúsculo drone dispõe de três câmeras, incluindo dispositivo térmico, que o permite voar à noite. (Fonte: Disponível em: https://special-ops.org/uncategorized/u-s-army-special-forces-to-be-equipped-with-personal-drones/ Acesso em: 17 jul. 2018).

Ainda que as ARP prestem uma significativa contribuição às OpEsp,  por problemas de ordens diversas alguns atores estatais têm grandes entraves para disponibilizar as capacidades desse vetor em favor das OpEsp. Nesse sentido, por não perceberem o setor de Defesa como prioritário, determinados Estados não viabilizam o aporte financeiro necessário para suprir a demanda do setor, limitando a aquisição e o desenvolvimento de novas tecnologias. As OpEsp também se deparam com obstáculos político-estratégicos, devido a forma incompatível com que são utilizadas, sendo percebidas pelas autoridades apenas como uma alternativa tática, fato que faz com que os expedientes das ARP sejam postulados, principalmente, para ações consideradas de valor estratégico. A limitação tecnológica representa outra barreira, uma vez que as OpEsp têm exigências muito específicas que requer das ARP aprimoramento tecnológico dos sistemas de entrelaçamento de dados, autonomia de voo e capacidade de carga para o transporte de suprimentos que poderiam potencializar a capacidade do DFOpEsp desdobrado para desempenhar missões de natureza variada.


Continua...




quarta-feira, 20 de junho de 2018

Emprego da Doutrina F3EAD em Apoio às Operações Especiais (Parte Final)


Adaptação do texto escrito originalmente por Charles Faint & Michael Harris, publicado em 31 de janeiro de 2012 no Small Wars Journal. (Disponível em: http://smallwarsjournal.com/jrnl/art/f3ead-opsintel-fusion %E2%80%9Cfeeds%E2%80%9D-the-sof-targeting-process Acesso em: 28 mai. 2018). 


Fotografia 1: Operadores do 3rd Reconnaissance Battalion (3° Batalhão de Reconhecimento) do Corpo de Fuzileiros Navais norte-americano (US Marine Corps) e do Real Corpo de Fuzileiros Navais britânico (Royal Marines) participam de treinamento combinado para desenvolver procedimentos comuns em operações VBSS (Visit, Board, Search and Seizure [de Retomada e Resgate]) nos ambiente geográfico do Pacífico. (Fonte: Disponível em:  https://www.dvidshub.net/image/4247020/us-marines-with-3rd-reconnaissance-battalion-conduct-raids-training-with-british-royal-marines-us-sailors-guam Acesso em: 18 jun. 2018). 

Unidades que empregam a metodologia F3EAD (Find, Fix, Finish, Exploit, Analyze and Disseminate [Localizar, Ajustar, Finalizar, Explorar, Analisar e Disseminar]) de forma eficiente dispõem de adaptabilidade organizacional que possibilita a incorporação consciente de pessoal e ativos, além do desenvolvimento de capacidades operacionais, que nem sempre são considerados como parte do empreendimento de combate. Sobre esse aspecto cabe salientar que nas ações não letais levadas a efeito no Afeganistão e Iraque, a inclusão de pessoal e recursos investigativos, forenses e de compartilhamento de informações, foram fundamentais no processo de transformar dados de inteligência em evidência. As particularidades de cada uma das etapas componentes da metodologia F3EAD são assim definidas:

Localizar – Esta etapa busca estabelecer um ponto inicial para a coleta de Inteligência. Estes pontos de partida levam à nomeações de alvos. O ponto inicial pode ser deliberado ou considerado com base em uma situação de “oportunidade”, podendo se concentrar em um indivíduo, organização, instalação, organização ou algum outro tipo de assinatura.

Ajustar – Refere-se à capacidade de ajustar o alvo no tempo e no espaço após ser devidamente localizado e identificado. Ao ajustar o alvo, a função de Inteligência progrediu suficientemente para que a função Operacional tenha informações para executar missões de natureza Cinética (percebidas imediatamente em virtude das ações combativas) ou Não-Cinética, tais como: neutralização de uma rede de comunicações; obtenção de resultados psicológico, políticos ou sociais desejados. Quando possível as FOpEsp (Forças de Operações Especiais) se valem da prática de espalhar o esforço de “ajustar” entre várias agências de Inteligência de maneira a aumentar a velocidade do processo, maximizar os efeitos, minimizar os custos, o esforço e o tempo.

Finalizar – As duas primeiras etapas do método F3EAD levam às operações decisivas contra o inimigo. As operações de combate nas quais as FOpEsp se engajam estão diretamente associadas à etapa “finalizar”. Contudo, embora caracterizada por métodos de Ação Direta (Cinética), essa etapa também pode ser de natureza Não-Cinética. Na metodologia F3EAD, a etapa “finalizar” refere-se mais à conclusão de uma missão específica, do que a derrota das forças inimigas, e no contexto desse método o esforço principal está apenas começando.

Explorar – Considerada como o elemento principal e o mais crítico do processo F3EAD, a etapa “Explorar” possibilita a descoberta, fixação e finalização do próximo alvo e levando à perpetuação do ciclo. Essa etapa também á a que melhor cumpre o objetivo da Inteligência, propiciar uma “vantagem decisiva” para os decisores em todos os níveis de condução da guerra/crise. No modelo F3EAD, a etapa “Explorar” constitui o processo de examinar, analisar, interrogar e processar informações provenientes de pessoal, equipamento e material capturado para fins de inteligência. Essa etapa ocorre em três níveis: a exploração no nível 1 ocorre no ambiente tático no ponto de captura; a exploração no nível 2 é orgânica em unidades ou à nível de Teatro de Operações; a exploração no nível 3 é conduzida em nível nacional como parte do esforço de toda comunidade de Inteligência. O processo de exploração pode ser realizado por pessoal vinculado à função de Inteligência ou à Função Operacional no objetivo, através de uma variedade de meios, tais como: interrogatório em campo de batalha ou exploração de documentos e mídia. O objetivo geral do esforço nessa etapa é produzir inteligência e/ou evidência para perpetuar o processo F3EAD o mais rapidamente possível. Em apoio a este objetivo, deve-se explorar quatro aspectos distintos: Proteção da Força; Desdobramento; Fornecimento de Componentes e Materiais; Provimento de Elementos de Acusação. A exploração do pessoal e material inimigo capturado para fins de Proteção da Força é realizada de modo a coibir/impedir ataques inimigos às Forças Amigas. O Desdobramento permite que as Forças Amigas mobilizem esforços contra as Forças Inimigas para obter efeitos letais ou não letais. O Fornecimento de Componentes e Materiais contribui para que a Inteligência assimile as informações relacionadas ao pessoal e material inimigo capturado, permitindo-lhe integrar os dados obtidos em toda a sua rede. Finalmente, o Provimento de Elementos de Acusação auxilia em um eventual processo legal movido contra as forças inimigas depois que seu pessoal e material foi totalmente explorado para fins de inteligência. Ao incluir a acusação como parte do processo de exploração, a metodologia F3EAD oportuniza que forças amigas transformem inteligência em evidência, possibilitando que as forças inimigas, se necessário, sejam legalmente acusadas no intuito de assegurar a proteção das Forças Amigas e da população que as apoiou (particularmente em conflitos de natureza irregular).

Fotografia 2: Quadros operacionais do 10th SFG-A (10th Special Forces Group-Airborne [10° Grupo de Forças Especiais-Aerotransportadas]) do Exército norte-americano e do 1° Regimento de Forças Especiais do DWS (Dowództwo Wojsk Specjalnych [Comando de Operações Especiais]) polonês durante planejamento de uma ação combinada. (Fonte: Disponível em: http://www.eucom.mil/media-library/Article/19570/building-special-operations-military-relationships-in-europea-continuous-cycle Acesso em: 18 jun. 2018).

Analisar – É durante esta etapa que as informações coletadas nas fases anteriores são transformadas em dados de inteligência possíveis de serem usados nas operações a serem conduzidas. As análises podem ser realizadas pelas FOpEsp no Teatro de Operações, ou mediante envio do material coletado para instalações apropriadas visando uma avaliação mais profunda. É importante salientar a importância da ação interagências para a análise de inteligência, uma vez que, geralmente, as FOpEsp não dispõem da infraestrutura orgânica necessária para maximizar o valor do método F3EAD.

Disseminação – Esta etapa constitui uma das chaves para o sucesso da metodologia F3EAD, pois considera a criação de uma rede de difusão mais ampla que àquela tradicionalmente praticada na comunidade de inteligência norte-americana. A disseminação dos dados de inteligência coletados por FOpEsp ajuda a criar uma rede eficiente e com capacidade para apresentar/compartilhar a informação de forma apropriada. Nesse contexto, a informação chega depurada e com agilidade aos níveis decisores evitando que seja corrompida no longo percurso adotado pelos métodos tradicionais de inteligência, uma vez que nos procedimentos convencionais a informação, necessariamente, deve percorrer os diferentes níveis hierárquicos. 

A metodologia F3EAD representa uma revolução na forma como as FOpEsp conduzem ações letais e não-letais. Mais do que um modelo conceitual, esse método reflete o conceito que preconiza a fusão entre as funções de Inteligência e Operacional. O método F3EAD cria um tipo de unidade de esforço e potencializa o ritmo operacional inédito no âmbito dos enfrentamentos contemporâneos. O sucesso das tropas especiais, valendo-se dessa metodologia, serve como validação da eficácia do processo.







terça-feira, 5 de junho de 2018

Emprego da Doutrina F3EAD em Apoio às Operações Especiais (Parte 1)

Adaptação do texto escrito originalmente por Charles Faint & Michael Harris, publicado em 31 de janeiro de 2012 no Small Wars Journal. (Disponível em: http://smallwarsjournal.com/jrnl/art/f3ead-opsintel-fusion %E2%80%9Cfeeds%E2%80%9D-the-sof-targeting-process Acesso em: 28 mai. 2018). 


Fotografia 1: Cena do filme "12 Heróis" (12 Strong, 2018), que retrata a história da primeira equipe de Special Forces (Forças Especiais) do Exército dos EUA enviada ao Afeganistão após os atentados de 11 de setembro de 2001, com a finalidade de convencer os líderes da Aliança do Norte a unirem forças no combate ao Talebã e à al-Qaeda. (Fonte: Disponível em: http://www.sky.com/movie/12-strong-2018 Acesso em: 30 mai. 2018). 

Projetada para ser utilizada pelas FOpEsp (Forças de Operações Especiais) norte-americanas em missões de Ação Indireta, a doutrina F3EAD (Find, Fix, Finish, Exploit, Analyze and Disseminate [Localizar, Ajustar, Finalizar, Explorar, Analisar e Disseminar]) surgiu para contrariar a crescente ameaça comunista na América Latina na década de 1980
Também conhecida pelo termo “Feed”, esta metodologia é uma versão da doutrina Targeting (Segmentação), processo pelo qual ocorre a seleção de alvos a serem engajados dentro da Área de Responsabilidade (área geográfica associada na qual um comandante combatente geográfico tem autoridade para planejar e conduzir operações) ou Áreas de Influência (área geográfica em que um comandante é diretamente capaz de influenciar operações por manobras ou sistemas de apoio de fogo normalmente exercendo comando ou controle) de um componente militar em decorrência de um conflito e/ou crise.
Operando em rede, a doutrina Targeting enfatiza a identificação dos HPT (High Payoff Target [Alvos de Prejuízo Elevado]) combinando um conjunto de ações letais e não-letais apropriadas para cada um desses alvos no intuito de criar efeitos específicos e desejados compatíveis com os requisitos operacionais e em conformidade com os objetivos do Comandante. Cabe à esse sistema, a tarefa de identificar e selecionar recursos que proporcionam maior vantagem ao inimigo e os quais as forças adversárias não podem se dar ao luxo de perder. Além disso, é de responsabilidade do método Targeting a tarefa de vincular os efeitos desejados às ações a serem desempenhadas pelas Forças Amigas.


Figura 1: As cinco fases que compõem o "Ciclo de Inteligência". (Fonte: Disponível em: https://countuponsecurity.com/2015/08/15/the-5-steps-of-the-intelligence-cycle/ Acesso em: 30 mai. 2018).

Por sua vez, a doutrina F3EAD é um sistema de rede que permite às FOpEsp a capacidade de antecipar e prever ações realizadas por tropas inimigas, identificando, localizando e direcionando forças mediante exploração de dados de inteligência (potencial de combate adversário) obtidos por ocasião da captura de pessoal e material. A base para o êxito da metodologia F3EAD consiste na simbiose entre as funções de Inteligência e Operacional em todo os processos conduzidos pelas FOpEsp. Nesse sentido, os decisores estabelecem alvos prioritários, a função de Inteligência fornece o direcionamento para o alvo, enquanto a função Operacional executa as ações levadas à efeito como uma (OpEsp) Operação Especial.
Esta relação simbiótica, permite que a função de Inteligência compreenda, antecipe e busque atender às necessidades da função Operacional de modo a favorecer a agilidade das ações, permitindo aos decisores, em todos os níveis de condução da guerra/crise (Político, Estratégico, Operacional e Tático), dispor das condições necessárias para planejar e executar operações contra o inimigo sem que o mesmo possa reagir adequadamente. Dispondo dessa capacidade, as Forças Amigas têm condições de ditar o ritmo e definir as condições operacionais.
O F3EAD é uma evolução natural do Targeting, combinando aspectos do ciclo de inteligência e planejamento operacional convencionais com o conjunto de técnicas e táticas emergentes, assimilados em procedimentos desenvolvidos em operações de contingência realizadas em todo o mundo.


Fotografia 2: Operador das Special Forces (Forças Especiais) do Exército norte-americano emprega dispositivo de comunicação multicanais de alto desempenho no campo de batalha. (Fonte: Disponível em https://americansecuritytoday.com/harris-wins-us-special-ops-contract-next-gen-manpack-radios-video/ Acesso em: 30 mai. 2018). 

Embora as FOpEsp estejam melhor preparadas para se valerem das vantagens ofertadas pelo método F3EAD (devido à sua adaptabilidade organizacional, treinamento especializado e recursos exclusivos), essa metodologia não é inovadora nem exclusiva das unidades militares de elite. Nos EUA, o F3EAD constitui parte dos programas básicos de treinamento visando a formação de pessoal na especialidade Inteligência.
Uma diferença fundamental entre a doutrina convencional de Targeting e a F3EAD refere-se ao fato de que a metodologia convencional concentra-se, sobretudo, nas operações de Ação Direta (AD) executadas contra HPTs (levadas à efeito com a finalidade de causar efeitos letais de modo a ocasionar ao inimigo grande dano ou destruição/eliminação), enquanto o método F3EAD adequa-se tanto às AD quanto às Ações Indiretas (AI), que por sua vez priorizam os efeitos não letais. Ao contrário das metodologias tradicionais de Targeting, que direcionam esforços para a etapa "finalizar", uma vez que os conflitos passados buscavam a destruição física das forças inimigas e sua infraestrutura à fim de minar com sua vontade de resistir, o principal esforço do método F3EAD encontra-se voltado para as etapas “explorar, analisar e disseminar”. Nesse contexto, é essencial reconhecer que a natureza da guerra mudou e encontra-se em constante evolução.
Na denominada “Era da Informação” os conflitos se prolongam e o espectro da ameaça apresenta caráter variável, alternando oponentes que lançam mão de métodos adaptativos e assimétricos e adversários que dispõem de poder de combate suficiente para empreender formas convencionais e simétricas de enfrentamento. Nesse cenário, destacam-se a guerra em rede, os atores não-estatais e a aversão ao risco, como determinantes para que o esforço principal não pode se limite à “derrota” das forças inimigas no sentido tradicional da “Guerra de Atrito”.
No âmbito da guerra travada no século XXI, é importante perceber o processo F3EAD como uma rede com os diferentes elementos do processo ligados diretamente uns aos outros e em fusão com as funções de Inteligência e Operacional. O ciclo é contínuo, mas não necessariamente congruente, e as etapas geralmente são omitidas ou encurtadas para que o processo acompanhe a “velocidade” da guerra.

Figura 2: Etapas do processo F3EAD. (Fonte: Disponível em: http://smallwarsjournal.com/jrnl/art/f3ead-opsintel-fusion %E2%80%9Cfeeds%E2%80%9D-the-sof-targeting-process Acesso em: 28 mai. 2018). 

Continua...