Anos atrás, quando tive a oportunidade de
trabalhar como professor universitário em cursos de Graduação em Educação
Física, assumi a incumbência de ministrar disciplinas que promoviam uma
introdução às Artes Marciais para os alunos de diferentes instituições de
ensino superior. Como um admirador da cultura japonesa, sobretudo no período
que baliza a formação, ascensão e derrocada da classe Samurai (que se estende
do século VIII até a segunda metade do século XIX), imaginei ser àquela uma
oportunidade ímpar para apresentar aos discentes, não apenas o prelúdio de um
conjunto de técnicas inerentes a uma modalidade de luta específica, mas um
vislumbre dos peculiares aspectos morais que norteavam os pormenores diários da
nobre classe guerreira japonesa. Na minha concepção, como uma forma de
contribuir para a formação pessoal e profissional dos alunos, seria relevante
que eles percebessem as discrepâncias existentes no processo de constituição do
caráter de ocidentais (excessivamente ligados às questões que lhes são
extrínsecas) e orientais (mais preocupados com temas que lhes são intrínsecos).
Naquela época, na tentativa de estabelecer uma relação da classe Samurai com
atividades que fossem familiares aos discentes, fui levado a escrever um artigo
intitulado:
"A Evolução Histórica do Kendo (a Esgrima Japonesa) e sua Afirmação como Modalidade Esportiva”
Embora minha experiência como docente nesta
área de formação tenha se prolongado por apenas seis anos, àquela oportunidade
me permitiu uma percepção de mundo sem a qual eu jamais atingiria em virtude de
minha origem (ocidental).
Tempos depois, já na qualidade de Historiador
Militar, ao me impor o desafio de estudar diferentes questões relacionadas às
Operações Especiais (OpEsp), chamou-me atenção o conjunto de hábitos e
comportamentos que orientam o caráter moral dos membros da comunidade OpEsp. Fruto
da cultura, educação e tradição, sendo assimilados por observação e
experiência, a forma como os membros dessa comunidade específica pensam e agem
estão em tamanha conformidade com o “modo de ser” da nobre classe Samurai, que
não devem ser analisados apenas superficialmente ou considerados como simples
coincidência.
Especificamente no que concerne aos Elementos
de Operações Especiais (ElmOpEsp), a familiaridade com a classe guerreira
japonesa tem início a partir da tradução do termo “Saburu’, palavra da qual
deriva a expressão “Samurai”, e cuja tradução refere-se “àquele que serve”. Nesse
sentido, enquanto os Samurais originalmente eram agricultores que por dever de
vassalagem serviam obstinadamente à seu senhor feudal (Daimyo), os ElmOpEsp são
militares altamente especializados que por dever moral servem ao seu país com a
mesma tenacidade.
É importante esclarecer que na sociedade
feudal japonesa os Samurai emergiram das províncias do Japão combatendo ao
lado de seus senhores (mestres) em constantes guerras entre clãs rivais por
disputa de território, para tornarem-se a classe dominante no período entre os
séculos XV e XIX quando da instauração do sistema de Xogunato (sistema de
governo chefiado por um Xogun [representante da classe Samurai]).
Treinados militarmente desde a infância, os
Samurai formavam uma casta hereditária respeitadíssima, evidenciada não apenas
pela exímia habilidade em manipular a espada (Katana), mas, principalmente,
pelo rígido código de honra (Bushido) que incutia o espírito marcial ao vassalo
propondo-lhe servir ao seu senhor com o máximo de empenho, lealdade, bravura e,
se preciso fosse, segui-lo até a morte.
O que precisa ficar claro em relação ao modo
de combater do Samurai, é que diferente do método de esgrima praticado na
Europa, no qual os adversários trocavam golpes de espada visando um movimento
de estocada, no Japão a espada era manejada em combate visando a execução de um
único golpe de ceifa, preciso, cortante, mortal.
Elaborado a partir de um intrincado amálgama
de correntes filosóficas (Xintoísmo, Budismo, Taoísmo e Confucionismo) que
permitiam o aprimoramento da classe Samurai, o Bushido, cuja tradução literal
significa “Caminho do Guerreiro”, caracterizava-se por ser um código de
princípios morais e virtudes militares que os membros da aristocracia guerreira
japonesa (sejam eles homens ou mulheres) deveriam aprender a observar desde a
mais tenra infância. Sem nenhum ensinamento escrito, o Bushido era transmitido
apenas oralmente de modo a valorizar qualidades como: honra, lealdade,
excelência no emprego das armas, simplicidade, destemor, além de resistência às
mais duras provações físicas e psicológicas.
Embora as atividades conduzidas pelos
ElmOpEsp possam ser associadas mais diretamente à figura do Ninja devido aos
métodos não convencionais por eles adotados no período que corresponde ao Japão
feudal, o que nos incita a reflexão neste momento não são os métodos
operacionais outrora empregados, mas a reunião de princípios éticos que
norteavam o caráter e a conduta da elite guerreira japonesa. Sobre os Ninjas
cabe aqui desconstruir um estereótipo constituído na sociedade ocidental
contemporânea. No contexto das guerras feudais japonesas, o Ninja não deve ser
encarado como um agente movido pela perversidade para, invariavelmente,
antagonizar a classe Samurai. Na verdade, conforme a orientação política do
senhor feudal a quem deviam obediência, ambos (Samurai e Ninja), cada um em sua
área de especialidade (Samurai [Confronto Direto); Ninja [Confronto Indireto])
podiam combater na qualidade de aliados ou inimigos.
Figura 1: As sete virtudes fundamentais do código de princípios morais empregado de forma resoluta pelos guerreiros Samurai. (Fonte: Arte elaborada por Rodney Alfredo P. Lisboa). |
Conforme é possível observar nesta breve
apresentação, muitos dos princípios morais que outrora distinguiam o Bushido
são coincidentes com o ethos adotado pelas FOpEsp contemporâneas. Qualidades como
honra, lealdade, camaradagem, coragem, determinação, patriotismo,
comprometimento, orgulho, disciplina e excelência profissional, que se fazem
notar diariamente em cada ElmOpEsp e criam fortes laços entre eles, também eram
comuns entre os integrantes da classe Samurai. Nesse contexto, ambas as
comunidades se caracterizam pela observância ao cumprimento do dever e a
extrema lealdade para com seus pares, sendo a desonra a maior de todas as
punições.
Ainda que o presente texto concentre sua
atenção na conjunção de princípios morais que balizavam a conduta do guerreiro
Samurai, devotado física e mentalmente para aprimorar a arte da guerra, preparando-o
para administrar as adversidades da vida e a iminência da morte, o estudo do
modo de guerrear do Samurai tem muito a ofertar para a comunidade OpEsp no que
concerne ao autoconhecimento e ao autocontrole (físico e mental) inerentes à
condução do enfrentamento. Separados pelo tempo e pelo espaço, o ElmOpEsp e o
guerreiro Samurai, como nobres representantes da nata militar de suas
respectivas épocas, apresentam conexões ainda difusas que merecem ser
examinadas em toda sua profundidade. Assim, as comparações expressas nesse
texto correspondem apenas à ponta de um grande iceberg.
Vídeo 1: A flor mencionada no vídeo acima é denominada Sakura (Flor de Cerejeira), considerada como a flor nacional do Japão e o símbolo da classe Samurai.
Vídeo 2: Conforme retratado no vídeo acima, para o ElmOpEsp o cumprimento do dever e a lealdade para com seus pares sobrepõe-se a tudo, incidindo em tamanho desprendimento que leva o militar ao sacrifício pessoal.
Para
saber mais sobre o ethos das OpEsp acesse a postagem correspondente:
http://fopesp.blogspot.com.br/2016/06/o-ethos-das-operacoes-especiais.html
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