quarta-feira, 27 de abril de 2016

Capacidades Físicas e Psicológicas no Desempenho de Técnicas CQB (Parte 2)

Adaptação de artigo publicado por Rodney Alfredo Pinto Lisboa na Revista Marítima Brasileira, v. 134, n. 10/12, p. 77-90, 2014.

Para o desempenho eficiente de suas funções, é impreterível que cada um dos elementos que constituem o destacamento de assalto tenha controle e precisão na condução das técnicas CQB. Essas técnicas abordam o conjunto de procedimentos específicos a serem adotados pelo "Trem de Assalto", quando o destacamento se desloca em fila pelas dependências internas, promovendo a segurança mútua de seus membros enquanto executa a varredura dos cômodos.
Nas operações que requerem o emprego de métodos CQB, o confronto armado em espaço físico limitado produz situações distintas que exigem variados níveis de esforço físico, os quais podem influenciar direta ou indiretamente no resultado da ação, uma vez que o preço do fracasso nessas circunstâncias, quase sempre, é a morte. Neste ponto, fazemos uma digressão para destacar a importância da preparação física no âmbito da atividade militar, uma vez que o condicionamento do corpo vai muito além da aptidão para empreender operações tradicionais de patrulha e intervenção. Nesse contexto, independente da função ou graduação, o treinamento físico enfoca a operacionalidade da tropa, visando atender ao interesse da instituição, ao cumprimento da sua missão e a qualidade de vida do militar.  
Ponderando sobre a relevância do treinamento físico para ações de confronto armado, considera-se que o combate aproximado exige intenso adestramento em função da contingência do emprego de força. Para os militares que enfrentam elementos adversos em espaços restritos, o valor do condicionamento físico é percebido em eventos que requerem o envolvimento de todas as valências físicas (equilíbrio, coordenação, força, velocidade, resistência e flexibilidade) em situações de progressão nas quais os integrantes do Trem de Assalto têm que se deslocar por áreas internas realizando movimentação tática, saltos, agachamentos, subidas e/ou descidas, transportando equipamento e armamento que atribuem peso adicional considerável ao usuário.


Fotografia 3: Operadores do 1º BFEsp do Exército Brasileiro executando procedimentos de varredura em um complexo de casas em Porto Príncipe, capital do Haiti. A configuração variável das vias de acesso e o espaço tridimensional das edificações (com alturas distintas) exigem um condicionamento físico capaz de suportar as exigências impostas pelo terreno. (Fonte: Acervo do 1º BFEsp). 

Pela perspectiva da atividade física o termo “condicionamento físico” constitui o ato ou efeito de capacitar o corpo desenvolvendo as valências físicas com o objetivo de melhorar a performance de execução dos movimentos. Partindo dessa premissa, esclarecemos que ao buscar condicionar-se fisicamente, o indivíduo passa por um processo de “treinamento” que promove uma adaptação metabólica funcional, ampliando suas capacidades energéticas para adequar o organismo ao esforço físico requerido.
Apesar das demandas metabólicas (reações/adaptações do organismo) não serem contempladas neste texto, é imperioso esclarecer que a prática de atividade física depende de uma grande diversidade de variáveis relacionadas ao metabolismo, responsáveis por influenciar na busca por um indicador eficiente na tarefa de estabelecer a integração dos sistemas cardiovascular, respiratório e muscular considerando o gasto energético requerido na atividade em questão.
Cientes de que a adaptação metabólica é um importante componente do condicionamento físico associado à performance de execução das técnicas CQB, uma vez que é desse ajuste orgânico que depende a capacidade dos ElmOpEsp do Destacamento de Assalto de suportar o esforço físico, o ajuste metabólico somente trará resultados efetivos para a performance dos procedimentos CQB quando devidamente associado ao componente motor (controle dos movimentos). 
A natureza extremamente complexa das operações de retomada e resgate exige elevados níveis de consciência corporal e domínio das capacidades motoras (equilíbrio; coordenação; lateralidade; ritmo; tempo de reação; orientação espacial; percepção temporal) que vão muito além da habilidade do militar convencional. Desse modo, considerando a doutrina de emprego dos métodos CQB, em uma operação de varredura, é essencial que os componentes do Destacamento de Assalto tenham controle total de todos os movimentos (consciência corporal e motora) que norteiam a execução das respectivas técnicas. Cabe destacar, que uma percepção motora incompatível com as exigências da tarefa pode trazer sérias consequências para o desfecho da operação, uma vez que é essa percepção (adquirida mediante repetição sistemática dos movimentos que alicerçam as técnicas) que permite um padrão de resposta efetivo frente às situações de perigo.


Fotografia 4: Integrantes do SAS participam da "Operação Nimrod" desencadeada em Londres (1980). Considerada como uma das mais icônicas operações de resgate de reféns da história, o resultado favorável da ação deu-se em virtude da combinação entre o efeito surpresa e o emprego eficiente de técnicas CQB. (Fonte: http://www.coventrytelegraph.net/news/iranian-embassy-siege-rescuer-reveals-10103394 Acesso em: 25 abr. 2016).

Apesar de específico, o conjunto de ações motoras utilizadas em eventos onde ocorre o confronto aproximado (técnicas CQB) se desenvolve exatamente da mesma forma que qualquer outro ato motor, surgindo a partir das três categorias básicas de movimento: mobilidade, estabilidade e manipulação. Tomando por referência a teoria proposta por Karl Newel (1986), segundo a qual sugere que todos os movimentos surgem da interação entre três fatores distintos (indivíduo; tarefa motora [movimento]; ambiente), destacamos que a performance de execução de uma ação motora depende, fundamentalmente, da capacidade do indivíduo de executar determinada tarefa motora, da complexidade da tarefa motora a ser realizada, bem como das condições do ambiente para a realização da tarefa motora em questão. 
A habilidade (perícia) de cumprir com os requisitos de uma determinada tarefa motora está diretamente relacionada com a grande quantidade de conhecimento detalhado e organizado que uma pessoa possui em relação à área em que atua, tornando-a capaz de empregar esse conhecimento para a solução qualitativa dos problemas relacionados à área em questão. A prática sistemática torna-se um fator fundamental na aquisição da habilidade relacionada ao desempenho, de modo com que indivíduos mais experientes em um campo de atuação têm maior aptidão que os principiantes para executar tarefas especializadas. Assim, o conjunto de informações armazenadas pelos peritos em virtude da especificidade e do tempo de prática, permite-lhes operar com maior grau de "automaticidade" (memória motora ou memória muscular). Sobre a execução automática do gesto motor, salientamos que nesta categoria de movimento a ação motora é realizada com controle total dos segmentos corporais requeridos para a execução da tarefa, mesmo quando o executante encontra-se em condições psicofísicas difíceis. Dessa forma, com o ato motor sendo realizado mediante percepção cinestésica (corporal), que assume a função de fonte de informação sensorial primária substituindo a visão e a audição, o executante é capaz de voltar sua atenção para outros fatores do ambiente que podem interferir na sequência de execução do movimento.


Fotografia 5: ElmOpEsp do GROM (unidade contraterrorista das Forças Armadas polonesas) progridem por uma área edificada obedecendo a procedimentos operacionais alicerçados em técnicas CQB. (Disponível em: http://www.fluierul.ro/mobile/article/indexDisplayArticleMobile.jsp?artid=572941&title=militari-polonezi-au-luat-cu-asalt-centrul-de-spionaj-nato-din-varsovia-ocupand-cladirea-guvernul-polonez-a-inlocuit-sefii-serviciului-de-contraspionaj-nato-acuzati-ca-ar-fi-oferit-servicii-de-specialitate-administratiei-obama-in-detrimentul-poloniei Acesso em: 25 abr. 2016).

Sobre a execução habilidosa de uma ação motora, cabe explanar que a maturidade e a experiência apresentam-se como diferencial, uma vez que o militar mais experiente tem mais estabilidade em situações de crise, sabe avaliar criticamente as diferentes situações que se apresentam, desempenhando suas funções com mais eficiência à medida que possui o domínio da técnica (movimento especializado) e sabe como, onde e quando emprega-la.  
Para que um movimento seja executado de forma habilidosa (automatização), necessariamente, deve ser incorporado ao acervo de memória motora do executante, sendo consolidado na forma de um circuito neuronal estável nas estruturas do SNC (Sistema Nervoso Central) e transferido para a memória de longa duração (armazenamento mnemônico permanente). Assim, considerando que em uma operação de confronto aproximado os operadores devem contar com um repertório de movimentos que lhes permita analisar e solucionar a situação em questão com simplicidade, praticidade, criatividade e adaptabilidade, a percepção sensorial das diferentes possibilidades de movimento para cada situação específica é crucial para o resultado da tarefa realizada.
Portanto, é imperioso destacar que o controle dos movimentos utilizados nas diferentes técnicas CQB ocorre a partir de uma séria de fatores relacionados com a vivência prática (feedback cinestésico), entre os quais são dignos de nota: a experiência adquirida em função do adestramento que simula situações compatíveis com a tarefa a ser executada em um engajamento real; a reprodução sistemática e metódica dos movimentos característicos de cada técnica; a correta operação de armas e equipamentos quando da execução desses movimentos. 
Particularmente no que concerne ao emprego de armas de fogo, é fundamental que os operadores pratiquem a sequência de movimentos até automatizá-los (incorporar ao acervo de memória de longa duração), uma vez que a performance no manuseio do armamento, e os disparos por consequência, dependem de uma série de fatores: concentração; capacidade de decisão e tempo de reação em resposta a um estímulo extrínseco (oriundo do ambiente) que lhes permita identificar com antecedência eventuais reféns dos elementos adversos que representam a ameaça.


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